Investigador e investigado (para ser ideólogo da sua existência) têm ambos interesse em aceitar “o postulado do sentido da existência narrada”
“o relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência e uma constância, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito à causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constituídos em etapas de um desenvolvimento necessário. (E é provável que esse ganho de coerência e de necessidade esteja na origem do interesse, variável segundo a posição e a trajetória, que os investigados têm pelo empreendimento biográfico). Essa propensão a tornar-se ideólogo de sua própria vida, selecionando, em função de uma intenção global, certos acontecimentos significativos [grifo do autor] e estabelecendo entre eles conexões para lhes dar coerência, como as que implica a sua instituição como causas, ou, com mais freqüência, como fins, conta com a cumplicidade natural do biógrafo, que, a começar por suas disposições de profissional da interpretação, só pode ser levado a aceitar essa criação artificial de sentido.”
BOURDIEU,P. “Ilusão biográfica” In: Usos e abusos da História Oral. páginas 184-185.