A ideia da ANT, na verdade, surgiu na sala de aula. Eu dava um curso sobre futebol e comentei com os alunos e alunas que ficávamos só assistindo ao processo de elitização do futebol sem fazer nada. Propus então criarmos a ANT. Redigi os 7 pontos, que nunca assinei, e marquei a reunião daquele domingo de 10/10/2010. Chamei um colega norte-americano estudioso do futebol e frontalmente contrário à gentrificação do futebol, Chris Gaffney. O curioso é que Chris é muito bom de bola, inclusive jogou futebol no time da sua universidade nos Estados Unidos.
A ANT foi democrática desde o seu nascimento. Logo na primeira reunião, fui contestado, quando disse que de início eu seria o presidente e Chris o vice. Um dos meus alunos, apoiado por meu filho adolescente, disse que não era certo eu ser o presidente sem uma eleição. Dei razão a ambos, me intitulei presidente provisório e combinamos que haveria uma eleição três meses depois. E houve.
Um dos pontos fundamentais da ANT era a alegria. Fizemos manifestações fora dos estádios mas sempre de forma carnavalesca, com bateria, fantasias, faixas bem humoradas e nariz de palhaço, porque uma das nossas palavras de ordem era que torcedor não é palhaço. Torcedor nunca é consultado, é maltratado e sempre paga a conta, cada dia mais alta. De início foi fácil convocar as pessoas, mas a verdade é que a ANT recebeu muito apoio via redes sociais e pouco apoio presencial. Neste ponto, realmente, se tivéssemos de alguma forma feito um acordo com todas as organizadas para a defesa de alguns pontos seria perfeito. Mas já pensaram: conseguir fazer todas as organizadas se unirem? No dia em que isso acontecer o futebol brasileiro será transformado para melhor. E já existe uma iniciativa nesse sentido: a ANATORG, a Associação Nacional de Torcidas Organizadas.
Um dos principais grupos dentro da ANT era composto por torcedores paulistas de esquerda, alguns anarquistas, sobretudo os que participavam de uma espécie de grupo de oposição dentro da Gaviões da Fiel. Eles eram contra a existência de um presidente. Percebendo a importância daquela turma, bastante organizada e politizada, fui a São Paulo conversar com eles. Marcaram no Pacaembu. Eles ficaram espalhados em um gramado mais acima e eu abaixo, no estacionamento. Não nos conhecíamos. Decerto eles temiam que eu quisesse usar a ANT para fazer carreira política ou algo assim. Me apresentei, explicando que era professor, falei do que vira na Inglaterra e o quanto isto me conscientizara acerca do projeto de gentrificação atrelado à realização da Copa do Mundo. Expliquei a tradição brasileira de chefias, de lideranças e de que pelo menos simbolicamente a ANT tinha que ter um presidente, se fosse debater com o presidente da CBF, com o presidente do clube A ou B. Eles aceitaram meus argumentos. Dali pra frente, aquele grupo foi o principal esteio da ANT. Jamais brigamos, pelo contrário, me tornei amigo da turma toda, até assisti a um Corinthians e Cruzeiro em que o time paulista venceu com um pênalti muito polêmico batido por Ronaldo Fenômeno.
O mais engraçado é que à época das eleições de verdade, depois de formada a nossa chapa, eu mudei de ideia. Aceitei os argumentos anteriores deles e fiz nova reunião com a turma de São Paulo para defender a pauta de que não devíamos mais ter presidente e sim um colegiado ou triunvirato de diretores, que acabou sendo formado por mim, Chris Gaffney e Rafael Serrão da turma de São Paulo. Dessa vez convenci o pessoal a não termos mais presidente. Devo ser uma das poucas pessoas que ganhou uma eleição para deixar de ser presidente.
Qual era a outra chapa e como a ANT acabou?
É o que veremos amanhã, na última parte desta breve história da ANT.
(continua)