/POEMA DE HOJE – 8 poetas mulheres no Dia Internacional da Mulher

POEMA DE HOJE – 8 poetas mulheres no Dia Internacional da Mulher

Humilde homenagem da ULA ao DIA INTERNACIONAL DA MULHER

POEMA DE HOJE

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SIMONE BRANTES

MADAME MIM

Uma criança precisa de mim
uma cachorra precisa de mim
uma mulher precisa de mim
uma mãe precisa de mim
irmãos precisam loucamente de mim
um pai morto precisa de mim
o telefone e o carro precisam invariavelmente de mim
até vizinhos às vezes precisam de mim
eu mesma preciso muito de mim
só os amigos não precisam nunca de mim

——–

CECÍLIA MEIRELES

BEIRA-MAR

Sou moradora das areias,
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias,
como os peixinhos nos rios…

Não têm velas e têm velas;
e o mar tem e não tem sereias;
e eu navego e estou parada,
vejo mundos e estou cega,
porque isto é mal de família,
ser de areia, de água, de ilha…
E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.

Deus te proteja, Cecília,
que tudo é mar – e mais nada.

——–

CORA CORALINA

TODAS AS VIDAS

Vive dentro de mim

uma cabocla velha

de mau-olhado,

acocorada ao pé do borralho,

olhando para o fogo.

Benze quebranto.

Bota feitiço…

Ogum. Orixá.

Macumba, terreiro.

Ogã, pai-de-santo…

Vive dentro de mim

a lavadeira do Rio Vermelho.

Seu cheiro gostoso

d’água e sabão.

Rodilha de pano.

Trouxa de roupa,

pedra de anil.

Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim

a mulher cozinheira.

Pimenta e cebola.

Quitute bem-feito.

Panela de barro.

Taipa de lenha.

Cozinha antiga

toda pretinha.

Bem cacheada de picumã.

Pedra pontuda.

Cumbuco de coco.

Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim

a mulher do povo.

Bem proletária.

Bem linguaruda,

desabusada, sem preconceitos,

de casca-grossa,

de chinelinha,

e filharada.

Vive dentro de mim

a mulher roceira.

– Enxerto da terra,

meio casmurra.

Trabalhadeira.

Madrugadeira.

Analfabeta.

De pé no chão.

Bem parideira.

Bem criadeira.

Seus doze filhos,

Seus vinte netos.

Vive dentro de mim

a mulher da vida.

Minha irmãzinha…

tão desprezada,

tão murmurada…

Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim.

Na minha vida –

a vida mera das obscuras.

——–

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

FOI NO MAR QUE APRENDI

Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela
Ao olhar sem fim o sucessivo
Inchar e desabar da vaga
A bela curva luzidia do seu dorso
O longo espraiar das mãos de espuma

Por isso nos museus da Grécia antiga
Olhando estátuas frisos e colunas
Sempre me aclaro mais leve e mais viva
E respiro melhor como na praia

——–

ADÉLIA PRADO

METAMORFOSE

“Foi assim que meu pai me disse uma vez:
Você anda feito cavalo velho, procurando grota.

As cigarras atrelavam as patas nos troncos
e zuniam com decisão os seus chiados.
As árvores cantaram no quintal,
refolhadas de novíssimo verde.
Arregacei as narinas e fui pastar
com minha cabeça minúscula.
O que mais quente e amarelo pode ser,
era o sol, um dia de pura luz.
Mugi entre as vacas, antediluviana,
sei de moitas, água que achei e bebi.
Na volta sacudi pescoço e rabo.
Só dois sinais restaram:
um modo guloso de cheirar os verdes;
um modo de pisar, só casco e pedras.”

Adélia Prado. Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2005.

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ANA MARTINS MARQUES

O PASSADO ANDA ATRÁS DE NÓS

O passado anda atrás de nós
como os detetives os cobradores os ladrões
o futuro anda na frente
como as crianças os guias de montanha
os maratonistas melhores
do que nós
salvo engano o futuro não se imprime
como o passado nas pedras nos móveis no rosto
das pessoas que conhecemos
o passado ao contrário dos gatos
não se limpa a si mesmo
aos cães domesticados se ensina
a andar sempre atrás do dono
mas os cães o passado só aparentemente nos pertencem
pense em como do lodo primeiro surgiu esta poltrona este livro
este besouro este vulcão este despenhadeiro
à frente de nós à frente deles
corre o cão

——–

ANA CRISTINA CESAR

Instruções de bordo

(para você, A.C., temerosa, rosa, azul celeste)

Pirataria em pleno ar
A faca nas costelas da aeromoça.
Flocos despencando pelos cantos dos
lábios e casquinhas que suguei atrás
da porta.
Ser a greta,
o garbo,
a eterna liu-chiang dos postais vermelhos.
Latejar os túneis lua azul celestial azul,
Degolar, atemorizar, apertar
o cinto, o senso, a mancha
roxa na coxa: calores lunares,
copas de champã, charutos úmido de
licores chineses nas alturas.
Metálico torpor na barriga
da baleia.
Da cabine o profeta feio,
de bandeja,
Três misses sapatinho fino alto esmalte nau
dos insensatos supervôos
rasantes ao luar
despetaladamente
pelada
pedalar sem cócegas sem súcubos
incomparável poltrona reclinável

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FLORBELA ESPANCA

RUÍNAS

Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.