/POEMA DE HOJE – Elisa Lucinda – Vozes guardadas (trecho)

POEMA DE HOJE – Elisa Lucinda – Vozes guardadas (trecho)

POEMA DE HOJE

ELISA LUCINDA

Creio que é melhor deixar que a própria Elisa Lucinda apresente a sua poesia, o que ela fez no poema Vozes Guardadas, que abre o livro do mesmo nome:

VOZES GUARDADAS (trecho)

Todo poema é um bilhete, uma carta, uma seta.
Todo poema é uma visão, um aviso, um pedido, uma conversa.
Todo poema é um sinal de perigo, socorro, promessa.
Todo poema pode ser um convite, um alfinete, um beijo, um estilete.

Todo poema é fome, banquete, destino e meta.

Eu, pra todo lado que miro, vejo a bagunça, a farra dos inéditos, a festa.

Está tudo em mim pelas bordas,
e só Deus sabe do disse me disse no interior das gavetas!
Multidões de vozes me habitam com desenvoltura,
invadiram estradas, linhas, cadernos, partituras.
São tribos que vêm com seus alforjes,
são sonhos de literatura,
são palavras que aproveitam e fogem,
são verbos do norte que vieram da loucura,
são letras cotidianas que traduzem a experiência do viver,
são rebanhos de incertezas que migram para as rimas para vencer
são lágrimas de dor e beleza,
que se fizeram guerreiras antes de escorrer.
Fantasmas flagrados em pleno delito,
organização do não-dito, manobra do subjetivo.
Escrever é um modo novo e antigo de ver,
de perceber a elaboração do pensamento sobre um sentido,
enquanto testemunha-se o imponderável do acontecimento dos fatos.

A palavra fotografa mas não é um retrato.
Nada tem de estática, nunca mais.
Uma vez escrita está esperta e à espreita.
Muito mais à espreita do que quando pensada.
Basta um olhar alfabetizado sobre a escrita palavra,
e pou! Volatiza-se sua potencialidade, abrem-se as travas,
e o mar de significados começa e não cessa de bater e de voar.
Pois de tudo isso, deste acervo contido,
é que meu espírito está hoje repleto,
e é por estar muito cheio que este meu ser está incompleto.

(…)

Todo poema pode ser um romance, uma nova chance,
um caso mesmo de amor.
Uma prova factual, uma epístola de fervor com a vida,
um emplastro, um pacto, um fino haicai sobre a ferida,
ainda que não seja premeditadamente a última, do suicida,
todo poema, de alguma forma é,
daquele beiral do instante,
daquela varanda da lida,
todo poema é,
uma carta de despedida!