POEMA DE HOJE
Alberto Pucheu (1966-) é professor de Teoria Literária na UFRJ e autor de vários livros de poesia.
SOCAVÃO – UMA LIÇÃO DE NOMEAR, Alberto Pucheu (Blog Revista Avenida Sul)
guimarães rosa o escreve de alguns modos:
ele fala de uma velha fazenda,
cuja casa tinha um cômodo
quase do tamanho dela,
por debaixo dela,
socavado no antro do chão
onde judiavam com pessoas,
com escravos, até aos poucos
matar, ele fala, por exemplo,
que havia uma cava grande,
onde o inimigo estava emboscado
dos dois lados, nos socavões,
nas paredes, ele fala, por exemplo,
que os das socavas entornaram
sangue-frio enquanto os demais
se assustaram, correndo em fuga maior
debaixo dos tiros, ele fala,
por exemplo, que alguém estava
socavando com ferramenta
a fito de abrir torneiras na parede
por onde buraco de se atirar
durante aquela guerra sem fim,
ele fala, ainda, que eles não saíam
dos solapos, dando cria
feito bichos em socavas,
mas, por experiência do lugar,
acrescento o que já falei,
que no socavão tem oco, cavo,
vão, e explico: aqueles vazios
pelas montanhas, abertos,
por gestão natural, por debaixo da terra,
quando chove, vindo, a chuva
adentra os poros dos morros,
soca o corpo da terra, mistura-se
a ele atravessando-o até encontrar
seus ocos, seus cavos, seus vãos,
até encontrar o socavão, então,
a água ali se armazena e, seguindo
o feitio inclinado da montanha,
desce por ela, procurando uma brecha,
procurando, pequena que seja, uma saída,
pela qual forma a nascente, a fonte,
corrigindo um tópos conhecido
da história da poesia e da filosofia
que diz que a fonte é metáfora de origem,
esta topografia, entretanto, ensina
que a fonte ou a nascente
não é a origem, que o socavão
é a fonte da fonte, a nascente
da nascente… mas como não pensar
que a água guardada em movimento
pelo socavão, a água que possibilita
a nascente ou a fonte, não foi brotada ali
do nada, por geração espontânea,
que a água guardada em movimento
pelo socavão vem da chuva,
e que tudo está mesmo aberto pelo meio?
ele fala de uma velha fazenda,
cuja casa tinha um cômodo
quase do tamanho dela,
por debaixo dela,
socavado no antro do chão
onde judiavam com pessoas,
com escravos, até aos poucos
matar, ele fala, por exemplo,
que havia uma cava grande,
onde o inimigo estava emboscado
dos dois lados, nos socavões,
nas paredes, ele fala, por exemplo,
que os das socavas entornaram
sangue-frio enquanto os demais
se assustaram, correndo em fuga maior
debaixo dos tiros, ele fala,
por exemplo, que alguém estava
socavando com ferramenta
a fito de abrir torneiras na parede
por onde buraco de se atirar
durante aquela guerra sem fim,
ele fala, ainda, que eles não saíam
dos solapos, dando cria
feito bichos em socavas,
mas, por experiência do lugar,
acrescento o que já falei,
que no socavão tem oco, cavo,
vão, e explico: aqueles vazios
pelas montanhas, abertos,
por gestão natural, por debaixo da terra,
quando chove, vindo, a chuva
adentra os poros dos morros,
soca o corpo da terra, mistura-se
a ele atravessando-o até encontrar
seus ocos, seus cavos, seus vãos,
até encontrar o socavão, então,
a água ali se armazena e, seguindo
o feitio inclinado da montanha,
desce por ela, procurando uma brecha,
procurando, pequena que seja, uma saída,
pela qual forma a nascente, a fonte,
corrigindo um tópos conhecido
da história da poesia e da filosofia
que diz que a fonte é metáfora de origem,
esta topografia, entretanto, ensina
que a fonte ou a nascente
não é a origem, que o socavão
é a fonte da fonte, a nascente
da nascente… mas como não pensar
que a água guardada em movimento
pelo socavão, a água que possibilita
a nascente ou a fonte, não foi brotada ali
do nada, por geração espontânea,
que a água guardada em movimento
pelo socavão vem da chuva,
e que tudo está mesmo aberto pelo meio?