POEMA DE HOJE
AUGUSTO DOS ANJOS (1884-1914)
Nadando contra a corrente, o paraibano Augusto dos Anjos não perdoava a hipocrisia e o beletrismo imperantes em sua época, aos quais ele opunha um naturalismo até brutal, mas com tal originalidade e arte que Ferreira Gullar chegou a considerá-lo um pré-modernista. Quando cursei o que então se chamava ginásio (hoje ensino fundamental II), um querido colega de colégio, Tales Faria, hoje conceituado jornalista, costumava recitar os versos do poema de hoje todos os dias em tom dramático.
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!