Buriti
“O buriti é sempre uma nota de suavidade no livro intensamente dramático de Guimarães Rosa. Todos os outros elementos – rio, vento, sertão, terras e céus – como que participam ativamente da estória, impregnam-se de cada ‘vivimento’ de Riobaldo e de seu bando.
O buriti, não. Nem Otacília. Nem a Bigri que passa levemente numa página do livro, sombra esmaecida de ternura. Pertencem a um plano diferente da vida. O buriti é a imagem da casa e da mulher, da mãe cedo perdida, da noiva muito sonhada.” (54)
Esta simbologia já estava presente em Corpo de Baile, cantada pelo violeiro João Fulano:
‘Buriti minha palmeira,
mamãe verde do sertão’
E o poeta Siruiz canta o ‘buriti – água azulada’ (54)
“E a canção de Siruiz é o encontro de Riobaldo com a poesia” (54)
“associação facilmente identificável ao longo do livro, entre buriti e tranquilidade, buriti e noiva, buriti e mãe, buriti e poesia.” (55)
“Antes da primeira travessia do Liso do Sussuarão, a última imagem do mundo que iam deixar, talvez para sempre, é um buritizal” (55)
“Na dura travessia, pendido na sela, a testa de chumbo, desvairado de calor e de cansaço, pensa em Otacília, a dos Buritis-Altos:
‘Buriti, minha palmeira,
lá na vereda de lá:
casinha da banda esquerda,
olhos de onda do mar’ (56)
“Na vida de Riobaldo, ‘de um lado e do outr se alinhando, acompanhando’, o buritizal marca os remansos.” (57)
“Buritis, do Boi, do A, das Três Fileiras, Perdido, o Bom Buriti, e outros, indicam roteiros, marcam estâncias de repouso, reencontro de companheiros.” (58)
“Medeiro Vaz – ‘palmeira que não debruça – buriti sem entortar’ – é enterrado, em dia de chuva e desolação, e ‘palmas de buriti novo, cortadas, molhadas’ são a mortalha com que o sertão recobre o corpo do Rei dos Gerais.” (58)
“Sombra sempre boa, o buriti é para o barranqueiro do São Francisco, prova da existência de Deus: ‘Deus é alegria e coragem. Ele é bondade adiante. O senhor escute o buritizal.'” (58)
Otacília é chamada de ‘formosura dos buritizais’ (59)
Diadorim, se ele soubesse, também “poderia ter sido remanso, ternura consentida. (…) Por isso, no desespero da revalação tardia demais, só sabe dizer: ‘Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais lavrados de verdes… Buriti, do ouro da flor…'” (59)
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(Continua, se os deuses forem bons 🙂 )
Bibliografia:
PROENÇA, Manuel Cavalcanti. (1958) Trilhas no Grande sertão. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional.