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QUANTO TEMPO DEMORA PARA LER Grande sertão: veredas?

QUANTO TEMPO LEVA PARA LER GRANDE SERTÃO: VEREDAS ?

Vejamos. Na mais recente edição, o livro tem 444 páginas. Digamos que você leia 6 horas por dia a uma velocidade moderada de 7 páginas por hora. A calculadora me indica que você vai demorar exatamente 10,57 dias para ler Grande sertão: veredas. Pronto, está respondida de forma cabal, precisa, milimétrica, a pergunta que mais me fazem acerca do livro.

Agora, se a pergunta fosse outra eu não teria uma resposta aritmética. Se me indagassem quanto tempo demora para entender o livro, por exemplo, eu diria que demora mais ou menos três leituras e muitas reflexões. E se me perguntassem quanto tempo demora para ser lido por Grande sertão: veredas e suas questões, eu diria que demora uma vida inteira. Afinal “o sertão é dentro da gente” e encontrar as nossas veredas não é trabalho fácil.

Uma ausência interessante no livro é o relógio, é o tempo esquartejado em horas e minutos que a lógica da modernidade capitalista nos impôs. Os marcadores temporais são o sol, a lua, as estrelas e a natureza de uma maneira geral, que indica as estações: a época de determinadas florações, ou quando um pássaro canta ou age de uma maneira particular: Era mês de macuco ainda passear solitário macho e fêmea desemparelhados, cada um por si.” Eventualmente um mês é mencionado, sobretudo maio, quando se deu o primeiro encontro entre Riobaldo e o Menino, homenagem ao mês do primeiro encontro entre Rosa e Aracy. Mas mesmo maio é caracterizado pelo ciclo vegetal: “No tempo de maio, quando o algodão lãla. Tudo o branquinho.”

Quando Riobaldo vai para as Veredas Mortas disposto a fazer o Pacto com o Cujo, ele diz: “eu subi de lá – noitinha, hora em que capivara acorda”. Cercar o inimigo durante a madrugada é perigoso deveras porque quando é tempo de vagalume, esses são mil demais, sobre toda a parte: a gente mal chega, eles vão se esparramando de acender, na grama em redor é uma esteira de luz de fogo verde que tudo alastra”.

Não é que a palavra tempo não apareça e muito. Mas de uma forma totalmente diferente, captada pela ideia de que cada coisa tem seu tempo: “Tempo de beberem um café”, “tempo de partida”, “tempo de todas as doideiras”, “tempo de guerra”, “tempo de penar”, “tempo de criança” e por aí afora. Não é um tempo mensurável, não é o relógio se impondo sobre o homem, é o homem tingindo de significado o tempo. Riobaldo tem consciência da tirania que o tempo medido pelo relógio significa: “Sei quem é chefe? Só o gatilho de arma- de-fogo e os ponteiros do relógio.”

Rosa afirmou: “Quando escrevo, não penso na literatura: penso em capturar coisas vivas.” O leitor ou leitora se apercebe disso, muitos descrevem a experiência de ler o livro como uma espécie de feitiço ou, como eu chamei, de um “labirinto de significados”. Isso não pode ser percebido em uma leitura apressada, preocupada com o tempo, em outras palavras, em uma anti-leitura de Grande sertão: veredas. O próprio Rosa alertava acerca da necessidade de ruminar o seu texto, de ler feito boi, esse bicho do qual ele tanto gostava.

Ele explicava que para ele escrever era descobrir “um novo pedaço de infinito”. Na travessia que tenho feito com turmas compostas por pessoas dispostas a viver essa aventura, todos percebem isso, as infinitas possibilidades de interpretação, as apropriações particulares que cada um, cada uma, fazem da obra rosiana. Muitos rosianos, aí me incluo, dizem que tiveram suas vidas transformadas pela leitura, releitura e releitura do livro.

Por isso, ao invés de perguntar quanto tempo vai demorar para ler Grande sertão: veredas, que tal se perguntar:

Quanto tempo eu estou disposto a dedicar a um livro que poderá transformar a minha maneira de ver e viver o mundo?

Você escolhe o relógio ou a capivara?