/ROSIANA 025 – Em Rosa a busca da oralidade não significou a reprodução documental da linguagem falada e sim o emprego de diversos mecanismos

ROSIANA 025 – Em Rosa a busca da oralidade não significou a reprodução documental da linguagem falada e sim o emprego de diversos mecanismos

“Dada a busca da oralidade, a linguagem de Guimarães Rosa não pode deixar de ser examinada sob esse aspecto. Convém, no entanto, esclarecer que o aproveitamento das peculiaridades orais, no caso, não implica em reprodução documental da linguagem falada. O que existe é estilização dos processos expressivos que a caracterizam e de suas tendências para a intensificação.” (78)

“Se, para metodizar, começarmos pelo vocabulário, ressalta desde logo o caráter neologistico; latinismos, sufixações e prefixações inesperadas e os próprios arcaísmos são outros tantos vocábulos novos, ou reanimados – quase diria reencarnados – repostos a viver na frase, não mais com o sentido que lhes dava a língua velha, (78)
mas alterado e adaptado à nova existência.” (79)

Em termos sintáticos os processos enfáticos se valem de:

Expletivos [palavras ou expressões não indispensáveis, que servem somente para enfatizar], “Altamente enfático, o estilo de Guimarães Rosa não podia fugir a esse recurso”, p.ex.: ‘Certo dia se achando trotando por um caminho completo novo, exclamou: – Eique as serras estas às vezes até mudam muito de lugar’ (79)

Pleonasmo: “É outro recurso enfático das predileções do escritor que dele muito se valeu, quer pela repetição de cognatos, quer pelo repisamento semântico”, p.ex. (cognatos): ‘E Medeiro Vaz pensava era um pensamento’; ‘… paredão feito à régua, regulado‘; e exs. de repisamento semântico: ‘Medo mais? Nenhum algum!’; ‘Tanto gabado elogio que não me mudou’; ‘… catando suas coisinhas para comer alimentação‘; e também a mera repetição, reforçada pela pontuação: ‘… lindas pernas as lindas grossas’, ‘e eu gostava dele, gostava,gostava‘ (80)

“Embora menos frequente, mas muito expressiva, a pluralização desnecessária e inusitada aparece como recurso de concretização”: ‘… ser para nós todos campo de fogo e aos perigos de mortes‘; ‘naquela hora, minhas caras deviam de estar pegando fogo’ (81)

Superlativos: aqui anotadas as construções mais raras, evidentemente superlativas, p.ex.: ‘o punhal parou diantinho da goela do dito’; ‘Cá pensei, silenciososilenciosinho‘ (81)

Ordem (das palavras): “a ordem lógica da gramática não é a mesma da linguagem falada. Predominantemente emocional, esta possui a sua lógica, sobretudo afetiva, que arruma as ideias, menos segundo regras objetivas de raciocínio, do que atendendo à importância subjetiva de cada palavra para quem fala.” (81)

p.ex. antecipação para valorizar elementos de segunda ordem: ‘… – lá judiaram com escravos e pessoas, até aos pouquinhos matar‘; ‘As canoas eram algumas, elas todascompridas, como as de hoje’; ‘… o Tal não existe; pois é não?‘ (82)

E há também jogos sonoros: “Os caminhos – ou veredas? – estão balizados pela aliteração mais primitva ou pela coliteração mais sutil, daí passando para a repetição de consonâncias, a partir da tônica e na mesma ordem, verdadeiras rimas em consoantes como perfilha – fartalha, até chegar, em muitos casos, à rima perfeita, quando não aos segmentos metricamente isossilábicos, ao puro jogo inventivo, às onomatopéias.”; são métodos da linguagem popular (82)
e “desde 
Sagarana o uso desses recursos ritmicos é uma constante da sua estilística.” (83)

Aliteração, p.ex.: ‘… estou de range rede‘; … de poleiro pêgo prévio, abrimos nossa calamidade neles’; ‘Molhei mão em mel’ (83)

Coliterações, p.ex.: ‘… nas folgas vagas

Rimas em consonância, p.ex.: ‘Estalinho de estrêlas’; ‘Pelo pulo fino’; ‘Sungar segrêdo‘; ‘Escapulidocalado‘ (83)

Rimas toantes, p.ex.: ‘Tem coisa e cousa, e o ó da rapôsa‘; ‘Fumacinha é do lado – dodelicado‘; ‘Amigo era o braço, e o aço!’ (84)

Ritmo tônico, p.ex.: ‘Rincha-mãe, Sangue-d’Outro, o Muitos-Beiços, o Rasga-em-Baixo, Faca-Fria, o Fancho-Bode, um Treciziano, o Azinhavre’ (84)

“Como se vê, nem sempre os exemplos são puros; acumulam-se num mesmo trecho vários recursos rítmicos, reforçando, às vezes até a pura música, a tendência lúdica da prosa.” (84)

Onomatopéias, p.ex.: ‘um couro (…) por resguardar a pessoa do rumo donde vem o vento – o bafe-bafe‘; ‘… o xaxaxo de alpercatas’; ‘… o plequeio das alpercatas’ (84)

“Como puro jogo sonoro associativo, cabem alguns exemplos:
‘… verde que afina e esveste, 
belimbeleza‘; ‘… o bambalango das águas’; ‘Era o manuelzinho-da-croa, sempre em casal (…) às vezes davam beijos de biquinquim‘ (85)

Para manter em permanente vigília a atenção de quem lê, todos esses vocábulos de som e forma inusitados funcionam como guizos, como coisas que se movem, criando, não raro, dificuldades à compreensão imediata do texto e, de outras vezes, explicando além do necessário. Mas, vencido o primeiro movimento de resistência – esse existe até, e principalmente, em leitores letrados – a sensação do novo, do recomposto, do revificado se impõe e Guimarães Rosa toma conta, quase leva a desejar que a língua seja sempre assim, criadora e liberta de toda peia.” (85)

“Mas – convém repetir e explicar melhor – ele não usou um sistema arbitrário, nem de hermetismos intencionais; apenas exagerou tendências da linguagem regional, quer sintáticas, quer expressionais, explorando as virtualidades da língua” (85)

Nos idiomas vivos o sentido etimológico dos vocábulos vai empobrecendo com o tempo. “Guimarães Rosa não faz outra coisa senão apelar para a consciência etimológica do leitor, neologizando vocábulos comuns, reavivando-lhes o significado (…) dando-lhes uma precisão que esse mesmo uso acabou por destruir.” p.ex. : ‘Agora, a forca, eu vi – (…) arvorada bem erguida no elevado’; ‘Leôncio Du, que tinha afastado todo o mundo e meneava um facãozinho’ (86)

E às vezes faz o inverso, surpreendendo ao obliterar o sentido etimológico de palavras: ‘Mas, se a gente der condena de absolvido, soltar esse homem’; ‘… o senhor não padeceu feliz comigo?’ (86)

Também emprega inesperadamente um sufixo, revalorizando “o radical que o uso contínuo tornou irrelevante: ‘… lisas pedras soltadas, no ribeirão lajeal‘; ‘Diadorim – o nomeperpetual‘”; (87)

Em outros casos, “transfigura o vocábulo, agregando sufixo a um radical transformado: ‘Como é que eu vou dar letral (literal) os lados do lugar…’; – ou, inversamente, anula o sufixo, alterando-o: ‘Visivo (visível) só vi Diadorim'” (87)

“Derivações imprevistas ou lúdicas comparecem na estilística de Guimarães Rosa, surpreendendo e prendendo a atenção do leitor: ‘… os finos ventos maiozinhos‘; ‘- Tinha de vir, demorão ou jàjão‘; ‘… ela era uma bobinhã‘; ‘… o cheiro do musguz das árvores’


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Continua, se os deuses forem bons 🙂 )

Bibliografia:

PROENÇA, Manuel Cavalcanti. (1958) Trilhas no Grande sertão. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional.