“Tenteando de vereda em vereda, de serra em serra, eros, em sua perene atividade, impulsiva e sôfrega, mas se detém numa forma, logo abre as asas e prepara-se para voar na direção de outra. Não elimina porém os objetos em que pousa, não suprime as escalas de sua trajetória. O amor carnal conserva-se no espiritual. Essas duas manifestações, embora qualitativamente distintas, e de diferente altura na escalada do impulso erótico, interpenetram-se, harmonizam-se como as imagens antagônicas de Otacília e Nhorinhá, alcançando o difícil equilíbrio que resulta da superação de uma pela outra. O espírito não suprime a carne, abolindo-a, isto sim, no sentido dialético, em que abolir, sinônimo de superar, é abolir o inferior conservando-o no superior, completar o incompleto, passar de um estado de carência a um estado de plenitude. A harmonia final das tensões opostas, dos contrários aparentemente inconciliáveis que se repudiam, mas que geram, pela sua oposição recíproca, uma forma superior e mais completa, é a dominante da erótica de Guimarães Rosa. Nela o amor espiritual é o esplendor, a refulgência do amor físico, aquilo em que a sensualidade se transforma, quando se deixa conduzir pela força impessoal e universal de eros.”
Benedito Nunes. “O amor na obra de Rosa” In: A Rosa o que é de Rosa: literatura e filosofia em Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: DIFEL, 2013. pp. 42-43.