A primeira epígrafe, retirada de Julio Cortázar, já afirma o tema e o tom do livro: “Para onde vão as névoas, a borra do café, os almanaques de outros tempos?”. Leveza. Humor. Lirismo. Nem sempre é uma combinação fácil de encontrar, mas é o que temos nesta obra do consagrado escritor uruguaio Mario Benedetti (1920-2009). Neste pequeno livro, todo dividido em capítulos do tamanho e do jeito de crônicas, ele escreve as memórias inventadas de Claudio, um menino de classe média com uma vida bastante movimentada. Ele começa da infância, narrada de forma deliciosa e mítica. As pernas da professora particular. As estripulias com amigos no parque que redundam na descoberta de um cadáver e no seu misterioso desaparecimento. As idas ao clube de terceira divisão ver de perto as partidas que mobilizavam o bairro. E as conversas com um amigo mais velho e cego. Tudo isso é contado com os olhos do Claudio criança.
O bacana é que o livro consegue fazer a transição. À medida em que Claudio vai amadurecendo, o narrador também vai se tornando mais consciente. Por isso o pai lhe conta sem subterfúgios que a mãe vai morrer em breve. Mas é também o momento em que Rita entra em sua vida, literalmente pela janela, depois de subir numa árvore. Às 3 e 10 da tarde, hora em que acontecem todas as coisas importantes da sua vida. Ela vai ser uma espécie de bom fantasma que atravessa o livro todo, sobretudo depois que alguém lê na borra de café a imagem de uma árvore e de uma mulher.
Após. uma primeira experiência sexual que é uma verdadeira dádiva, Claudio começa sua vida adulta. Abre mão da faculdade e prefere se dedicar ao desenho e à pintura. Dançando tango, conhece Mariana, mas a sombra de Rita e de suas aparições repentinas está sempre presente. Afinal, com qual das duas ele irá ficar? Será que a resposta estava na borra do café?