/LENDO COM PRAZER # 011 – O ÚLTIMO MINUTO, Marcelo Backes

LENDO COM PRAZER # 011 – O ÚLTIMO MINUTO, Marcelo Backes

LENDO COM PRAZER # 011

O ÚLTIMO MINUTO, Marcelo Backes

Quantos Brasis existem no Brasil? Como contar sua vida, marcada por uma tragédia pessoal, a um estranho, ainda por cima jovem e inexperiente, de forma a tentar entender o que aconteceu? De um lado um velho gaúcho da fronteira, descendente de imigrantes russos, que esteve boa parte da vida envolvido com o mundo do futebol, onde ganhou o nome de João, o Vermelho. Do outro um jovem seminarista, que ouve com paciência e atenção, na esperança de dar algum consolo e quem sabe ouvir uma confissão e um arrependimento. O diálogo se dá numa penitenciária, onde João está cumprindo pena por um crime que só é revelado no final do romance.

Há muito de choque cultural entre o rural e o urbano. Tome-se o episódio do jovem João quando vem estudar em Porto Alegre e não toma o elevador da residência universitária. Não por medo. Mas por simplesmente não saber como fazer. Mas há também a afirmação das particularidades de uma região do Brasil muito citada mas pouco conhecida e que eu chamaria do “Sul profundo”. Descontado o exagero da uma narrativa épica de João Vermelho, decerto com o propósito de chocar o menino que lhe ouve, eis um bom exemplo:

“Até no masoquismo os gaúchos eram machos, ele dizia. Batiam queixo, mas não instalavam calefação central, e ainda acabavam criando a tal estética do frio pra dizer que eram os maiorais, os mais profundos, alegando que o sol mais ao norte desviava demais a atenção do intelecto para a sensualidade, fazendo a alma se perder na admiração superficial do objeto. E ele, que nascera nas missões, defensor de fronteira, herdeiro de la saudosa Patria Gaucha que não houve, discípulo soviético do general Artigas, era mais duro ainda. Sim, missioneiro era só osso, alma de puro esqueleto, que não se deixava roer. Nem em médico acreditava, e sabia se mostrar tão hipocondríaco que achava que até remédio lhe fazia mal, porque a verdadeira mezinha era a natureza que dava, e todo aquele que nascera nas missões tinha um pouco de curandeiro. A prateleira dos chás caseiros era sempre bem comprida numa casa fronteiriça.”

João era bom de bola e até passara em um teste no Internacional, seu time do coração, mas em seguida quebra a perna esquerda e abandona a carreira de jogador. Quando volta à terra natal, treina com sucesso uma equipe amadora, viajando pela estrada de caminhão aberto. Um acaso o leva a ser técnico de uma equipe da 3a. divisão suíça e depois continua a carreira no Brasil onde vem parar no Rio de Janeiro, imagine só, em plena década de 90, talvez o momento mais violento de uma cidade já muito violenta. Aqui há um lado hilariante de ver os costumes cariocas serem desnaturalizados a partir do olhar do gaúcho de fronteira. O livro, aliás, é pródigo em ironia, permitindo boas risadas.

O valor central de João, o Vermelho, mesmo depois de passar décadas na cidade grande, é a honra. E é à luz da honra e da impossibilidade de mantê-la que ele lê a própria história.

E o final? Por que se chama “O último minuto”? Eu seria um estraga-prazeres pior do que um cabeça de área botinudo se desse a menor pista nesse sentido. Como uma boa partida que só é decidida no finalzinho a história de João, o Vermelho, merece ser acompanhada do início ao fim.