LENDO COM PRAZER # 009
O CONTO DA AIA (1986- ), Margaret Atwood (1939- )
Uma distopia feminista. Ou um 1984 de saias.
Os Estados Unidos da América se transformam na República de Gilead, um estado teocrático fundamentalista. Existe uma polícia política: os Olhos, cujas instalações são as antigas universidades. O regime é decretado graças ao controle dos computadores que administram a moeda virtual utilizada por todos. De uma hora para outra, todas as mulheres perdem suas contas bancárias, transferidas para os maridos quando são casadas. Perdem também seus empregos. E a sua liberdade. São proibidas de ler e se forem pegas três vezes fazendo isso terão suas mãos cortadas. Todas as crianças provenientes de segundos casamentos são tomadas pelo Estado e distribuídas aos Comandantes e suas Esposas. As mulheres destes casamentos agora inválidos são alocadas de duas formas. A primeira é se tornar uma Aia (ou serva), como a narradora do livro. As Aias são mulheres jovens cuja fertilidade já foi comprovada, pois já tiveram um ou mais filhos. É que tinha ocorrido um decréscimo significativo na taxa de natalidade devido à poluição atmosférica do solo, das águas e do ar.
Sendo assim, as Aias são enviadas à casa de um Comandante e da sua esposa. Ali, uma vez por mês, sem que o Comandante possa ver seu rosto e com a Esposa segurando suas mãos por trás dela, a Aia tem a “chance” de ser engravidada. Cada Aia tem apenas um período para que isso aconteça, durante o qual desfruta de alguns privilégios relativos: pode sair de casa para fazer compras pré-estabelecidas juntamente com outra aia, é bem alimentada e não precisa fazer nada dos trabalhos da casa. isso é tarefa das Marthas. A Aia não tem nome próprio, o seu nome indica quem é o seu senhor: ofwarren, ou de Warren indica que a narradora pertence ao comandante Warren.
Mas as coisas não são tão simples assim. Existe uma rede de resistência ao regime e a República de Gilead está em guerra com os batistas e os quakers. E dentro do próprio regime existem brechas. As mulheres jovens não confiáveis para serem Aias, por exemplo, são destinadas ao Jezebel’s uma espécie de bordel para os comandantes. Quando elas envelhecem, são enviadas para as Colônias, onde a expectativa de vida, trabalhando com materiais tóxicos, não passa de três anos.
O mais importante da narrativa, todavia, não é o seu aspecto distópico, a sua imaginação ou a sua capacidade de apontar possibilidades hoje presentes, pois boa parte do que ela descreve já foi praticado por alguma sociedade ao longo da história.
O mais significativo é que ela consegue, com muita delicadeza e arte, dar conta da opressão sofrida por uma mulher, da sua falta da liberdade, do seu desespero, da sua impotência e dos seus sentimentos ao ser utilizada como se fosse um objeto. Estas coisas, infelizmente, não ocorrem somente na imaginária República de Gilead…