/# LENDO COM PRAZER – Nossa Senhora do Nilo – Scholastique MUKASONGA

# LENDO COM PRAZER – Nossa Senhora do Nilo – Scholastique MUKASONGA

Eis o terceiro parágrafo do livro, onde o cenário da trama e suas personagens são explicitados com clareza e ironia, tom que atravessará toda a narrativa:

“É um liceu só de meninas. Os meninos estudam na capital. O liceu foi construído no alto e bem longe para preservar as meninas, para protegê-las do mal e das tentações da cidade grande. É que as jovens do liceu têm a promessa de bons casamentos e, para isso, precisam manter sua virgindade – ou, ao menos, não podem engravidar antes do casamento. O ideal é que conservem a virgindade. O casamento é algo sério. As internas do liceu são filhas de ministros, de militares de alta patente, de homens de negócios, de ricos comerciantes. O casamento das filhas é uma questão política para eles e as moças têm orgulho de si, elas sabem o valor que têm. Foi-se o tempo em que só beleza contava. Como dote, as famílias recebem não apenas o gado ou os tradicionais jarros de cerveja, mas também algumas maletas cheias de notas e um uma conta recheada no Banco Bengolaise, em Nairobi e em Bruxelas. Graças a essas filhas, essas famílias enriquecem, o poder do seu clã é fortalecido e a influência da linhagem se espalha. As jovens do liceu Nossa Senhora do Nilo sabem o quanto valem.”

Guardadas as devidas diferenças e contextos locais, instituições deste tipo existiram em todo o mundo. Mas aqui o liceu está funcionando em uma Ruanda já cindida entre os hutus, que ao fazer a independência passaram a dominar o país, e os tutsis, que começam a ser perseguidos. Na escola, há uma cota de apenas 10% para alunas tutsis e mesmo assim as que conseguem entrar sofrem uma pressão e uma perseguição constante e crescente por parte das alunas hutus. Além de funcionar como um microcosmo das tensões então existentes na sociedade ruandesa pré-genocídio, a escola também é atravessada por outras contradições: a relação com a metrópole e sua cultura é uma delas, já que a escola é administrada por freiras belgas e os professores são em sua maioria franceses. A oscilação e a convivência entre as tradições étnicas e os produtos da modernidade são tratadas aqui como mais um tema para a reflexão.

Por fim, mas não menos importante, a autora sabe aprofundar o impacto de todas essas questões sobre um grupo de jovens em formação que no decorrer da história terão que tomar decisões que podem significar não somente a diferença entre sucesso e fracasso, mas entre vida e morte. É um romance que se lê com muito prazer por conta da limpidez da escrita, do muito que aprendemos acerca das culturas de Ruanda e por ser algo próximo de um livro  policial, ficamos presos até a última página querendo saber qual será o destino das personagens.