A prefixação é um dos recursos mais utilizados por Guimarães Rosa, com diferentes efeitos:
[i] “vocábulos prefixados sem intenção precisa (…) em que a prefixação, embora revitalizando a palavra, não lhe altera o sentido e aqueles em que vale cmo processo de síntese: ‘… estava perdido, deerrado de rota…’; ‘E chuva alta que envinha, estava mandando urubu para casa’; ‘agora sochupei aquele vapor fresco’; ‘… batatas e mandiocas, sempre quentes no soborralho‘ (88) [ii] “vocábulos em que a prefixação atua como força intensificadora do sentido”, com predominância para os prefixos re e des, mas utilizados com sentido diferente do normal: “ore, habitualmente empregado como indicativo de repetição, aparece como simples ação intensificadora, assim como o des, que na linguagem comum apenas exprime ação contrária à do radical” (88)p.ex.: ‘Era o manuelzinho-da-c’rôa sempre em casal, (…)
desempinadinhos (muito empinados), peitudos’; ‘Manhãzando, ali estava re-cheio (muito cheio) em instância de pássaros’; ‘… relimpar (limpar bem) o mundo da jagunçada braba’ (89) Aglutinação, “é outro recurso” (…) “a agregação de dois radicais, criando uma soldadura de significados pluralizados: ‘… na brumalva daquele falecido amanhecer’; ‘O fechabrir de olhos’ (89) Justaposição, “empregada como recurso de economia verbal, às vezes com intenção onomatopaica, às vezes combinada com outros processos de intensificação semântica: ‘jagunço é no quem-com-quem‘; ‘Sol-se-pôr, saímos e tocamos dali’ (89) Emprego do particípio presente em substituição às orações de pronome relativo (para enfatizar): ‘… se abraçavam com os animais caintes (que caíam)’ (89) Uso do particípio passado pelo gerúndio (com o mesmo fim): ‘… percebi que, de me vertremido (tremendo) todo assim, o menino tirava aumento para sua coragem’; (…) ‘… mosquitinhos chupadores, donos da vazante, uns mosquitinhos dançadinhos (que dançam), tantos de se desesperar’ (90)“
A formação de verbos a partir de nomes, processo enfático da linguagem popular e também da infantil”, é técnica de economia formal, agrega densidade semântica e “oferece imensas possibilidades neologísticas”: ‘… buritizal, que lequelequeia‘ (90) Substantivação ou verbalização de sintagmas, p.ex. : ‘… Diadorim se maisfez, avançando passo’; ‘Assim-assei, naquela influição’; ‘… o homem foi se avontadeando, encompridando as respostas’ (90) Verbos reanimados por prefixos fortes, ou sufixos significantes, p.ex.: ‘Daí, trasla um duro chão rosado’; ‘A vida é ingrata no macio de si: mas transtraz a esperança’; ‘… fiqueisonhejando‘ (91) Formas inesperadas aparecem verbalizadas, com acento lúdico, p.ex.: ‘O Hermógenes, com seu pessoal dele – que nem em curvas colombinhando, rastejassem…’; ‘Agora esse (o demo) se prespiritava por lá, sabível mas invisível’; ‘Coração vige feito riacho colominhando por entre serras…’ (de colomi, curumim) (91) Substantivização, recurso enfático, pela plasticidade que transmite aos vocábulos, p.ex.: ‘… para ele um vice-versa de tristeza’; ‘… fomos rondar os caminhos de porventura dos bebelos’; ‘Careço de três homens bons, no próximo de meu cochicho’ (91) Expressões substantivadas, p.ex.: ‘No entre o Condado e a Lontra, se foi a fogo’ (91)Também com propósito neologístico,
a deformação ou estruturação de locuções adverbiais, p.ex.: ‘… se ouvia o corrute dos animais, que pastavam à bruta no capim alto’; ‘Assim, à parva, às tantices, essa mocinha Miosótis também tinha sido minha namorada’ (91) O rejuvenescimento, quer de conteúdo, quer de forma, de lugares-comuns e clichês estereotípicos, p.ex.: (91)‘… deviam de estar agora desqueleixados (de queixo caído), no escuro’; ‘No mais, nemmortalma (viva alma); ‘… falou, numa voz rachada em duas‘ (de taquara rachada) (92) Toponímicos
Aqui Guimarães Rosa deve ter utilizado alguns que colheu na região e outros que inventou, mas seguindo uma tendência já existente de denominações nascidas ao acaso e que já haviam sido assinaladas por viajantes como Saint-Hilaire, que na sua Viagem às Nascentes do São Francisco, encontrou Vertentes do Jacaré, São (93)
Miguel e Almas, Registro dos Arrependidos, Porto do Quebra Anzol, Braço do Veríssimo, Porco Morto.” (94)
“No São Francisco há um arraial do Bem-Bom. Contaram-me que esse nome de batismo foi dado pelos fugitivos de uma enchente que ali puderam atracar as canoas em lugar mais alto,
bem bom para quem não achava onde aportar.” (94)“Viajando na mesma região, Martius anotou que muitas vezes os nomes dos lugares eternizaram o estado de espírito em que se achavam, ao descobri-los, os primeiros ocupantes: Bonfim, Bemposta, Sem-Dentes, Foge-Homem, Arrependido.” (94)
Assim G.Rosa “apenas multiplicou os termos geográficos, seguindo as normas que o povo usa para batizar terras e águas” aon inventar: o Buriti-do-A, o Ôlho-Água-das-Outras, a Vereda-da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita, o Curralinho, o Poço Triste (94)
“E Riobaldo conta um desses batismos: ‘Descemos a Vereda-do-Porco-Espim, que não tinha nome verdadeiro anterior,e, assim chamamos, porque um bicho daqueles por lá cruzou’.” (94)
[FIM DO RESUMO DO LIVRO DE Manuel Cavalcanti Proença](
Continua, se os deuses forem bons 🙂 )Bibliografia:
PROENÇA, Manuel Cavalcanti. (1958)
Trilhas no Grande sertão. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional.