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Os punhais de Borges

Os punhais de Borges

Se Borges adorava histórias, todos adoram histórias sobre Borges. Prefiro as que são contadas pelo próprio. Ele conta, por exemplo, que era poeta e que por timidez não pensava em escrever contos para não ser visto como um intruso. Mas aí, sofre um acidente e passa duas semanas no hospital. Foi um período difícil, povoado de pesadelos e insônia. Disseram que havia corrido perigo de vida e que foi uma sorte a operação ter dado certo. Mas Borges fica com medo de que a sua integridade mental tivesse sido afetada, pois o ferimento fora na cabeça. O medo maior era não poder escrever mais, o que  seria o fim, já que a literatura era tudo para ele. Ao invés de tentar escrever um poema, decide, por precaução, tentar escrever um conto. Afinal, se não conseguisse não seria nada demais porque nunca havia tentado aquilo. Depois, se ele conseguisse escrever também um poema teria certeza de estar acabado. Acaba escrevendo um conto, “Hombre de la esquina rosada”. É um sucesso e um grande alívio: “Se não fosse aquela pancada na cabeça talvez eu nunca tivesse me dedicado a escrever contos.”

No mínimo é uma resposta pouco usual para a tradicional pergunta: como você começou a escrever. E o que pretendia com a sua escrita? Para começar, não tinha medo de afirmar: “Eu não penso que as ideias sejam importantes”. O que seria então?

Ele mesmo responde:

– “Ele deveria ser julgado pelo prazer que ele dá e pela emoção que ele gera. Em relação às ideias, ao fim e ao cabo não é tão importante se um escritor tem uma determinada opinião política ou outra porque a obra surgirá a despeito disso”

Por fim, indagado acerca da presença constante de facas e espadas e revólveres na sua obra, revela um segredo: adorava a ideia de bravura, exatamente por não ser muito corajoso. Explica que foi criado em um bairro de Buenos Aires, Palermo, que hoje é muito chic, mas à sua época era uma favela na qual os confrontos eram constantes e os homens tinham que defender sua honra. É perceptível esta atração de Borges pela violência em seu maravilhoso História Universal da Infâmia, onde pululam personagens “reais” escabrosas: de gangsters, piratas e assassinos dentre outros. Bastaria citar este trechinho para dar uma ideia do clima de fascínio pela violência:

“Destacados contra um fundo de paredes celestes ou de céu alto, dois compadritos metidos em séria roupa escura dançam com sapatos de mulher uma roupa gravíssima, que é a dança das facas. Até que de uma orelha salta o sangue:  a faca entrou em um deles, que encerra com sua morte horizontal esse baile sem música. Resignado, o outro ajeita o chapéu e consagra sua velhice à narração deste duelo tão limpo.”