Breve observação sobre a linguagem do livro:
1. É muito comum se repetir a bobagem de que Rosa inventou uma língua própria em GSV. O próprio autor o desmentiu, afirmando que somente procurou utilizar todas as possibilidades da língua portuguesa falada no Brasil, para ele bem mais rica do que a falada em Portugal, devido às características da nossa história, com o aporte de línguas africanas, indígenas e outras. Ele afirma isso expressamente:
“Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora, o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido.”
É verdade que eventualmente inventa palavras, mas vocês irão notar que o mais importante é o uso que ele faz das palavras. Rosa consegue dar um conteúdo poético a expressões formadas por palavras comuns, populares até. Veja-se o trecho em que Riobaldo clama indignado contra o comportamento de Hermógenes e seus homens, que atiraram nos cavalos do bando de Zé Bebelo:
“Aí lá cheio o curralão, com a boa animalada nossa, os pobres dos cavalos presos, tão sadios todos, que não tinham culpa de nada; e eles, cães aqueles, sem temor de Deus nem justiça de coração, se viravam para judiar e estragar, o rasgável da alma da gente – no vivo dos cavalos, a torto e direito, fazendo fogo!”
É sem dúvida um trecho inventivo, mas não por conta de um vocabulário artificialmente criado e sim pelo enorme talento de Rosa para encadear as palavras de forma musical e emocionante, com expressões simples mas extremamente agudas: “boa animalada”, “justiça de coração” e “rasgável da alma da gente”. Mais à frente ele vai criar outra imagem: “o destapar do demônio”.
Rosa chega a dizer que ao contrário de inventor, gostaria de ser chamado de reacionário da língua, no sentido de que gostaria de voltar à origem da língua:
“meu método que implica na utilização de cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido original.”
Para terminar com a discussão: se Rosa tivesse realmente inventado outra língua para escrever GSV nós precisaríamos de um tradutor para ler o livro.
Sobre a edição a ser utilizada:
A edição utilizada por mim será a 21a. da Nova Fronteira; você pode utilizar qualquer edição a partir da 5a., menos a horrenda edição da Nova Aguilar, cheia de erros. Mas lembre-se que o livro não está dividido em partes ou capítulos, portanto a marcação das páginas a ler terá que ser feita aula a aula e de acordo com a edição de cada um.
Dicionários:
Dicionário Houaiss da língua portuguesa, edição de 2009
MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães Rosa. São Paulo: EDUSP, 2008. 3.ed. Revista.