/ROSIANA 016 – A função mítica do rio, sobretudo o Urucuia – MC Proença

ROSIANA 016 – A função mítica do rio, sobretudo o Urucuia – MC Proença

Como exemplo maior de rio, temos o Urucuia e suas águas límpidas (31), acerca do qual Proença chega a perguntar:

“Ter-se-ia humanizado o Urucúia, a vingar injustiças, encarnado em jagunço?” (32)

“Abrindo suas confidências, Riobaldo logo menciona o rio Urucúia, o Diabo e o Sertão. Guimarães Rosa está apresentando alguns dos grandes personagens do romance em seu plano mítico.” (32)

“Nesse plano, o rio é figura de primeira grandeza. Há mesmo, no desenrolar da estória, uma indistinção em que ele e herói se confundem, superpondo-se ou correndo paralelos.” (32)

“Poderíamos, até, dizer que o rio é (32)
mais importante que o homem, pois este o liga a suas emoções, dele se vale para dar corpo às suas ideias, associa-o a seu próprio destino de jagunço, de amoroso e de místico.” (33)

Sendo assim, Riobaldo é comparado ao ‘rio desmazelado, livre, rolador’ e entende a linguagem da água. (33)

“As fases de sua vida encontram reflexo no rio. A cólera pela morte de Joca Ramiro é uma enchente (…) Medeiro Vaz, também, morre em noite de grande chuva” (33)

O Urucúia é o rio do chefe Urutu-Branco, que o acha bonito por correr para o Norte e vir do poente ‘em caminho para encontrar o sol’ (34)

É também o seu ‘rio de amor’, o “Rio da sua vida” e “Com ele se identifica na hora de depor Zé Bebelo: ‘Eu queria a (34)
muita movimentação, horas novas. Como os rios não dormem.’ (35)

Uma vez chefe, na mensagem que manda a Otacília, pede que seu Habão não fale de jagunços e crimes e sim que Riobaldo e seus homens estão ‘trazendo glória e justiça em território dos Gerais, de todos esses grandes rios que, do poente para o nascente, vão, desde que o mundo mundo é, enquanto Deus dura.’ (35)

E antes de começar a guerra quer rever o Urucúia. (35-6)

Quando decide atravessar o Liso do Sussuarão, não pede conselho a ninguém, “pois ele é rio maior”, feito o Urucúia que ‘sai duns matos – e não berra; desliza: o sol nele, é que se palpita no que apalpa. Minha vida toda.’ (36)

No julgamento, a jagunçada que se reúne em torno é comparada ‘aquele povo-rio que enche com intervalo dos estremecimentos’ (36)

E Zé Bebelo, quando fala “procura cruzar aquele rio em enchente, começa a falar ‘apalpando o vau’, desconfiado, ouvidos atentos, ‘aquela cabeça sobrenadando'”. (36)

Quando Riobaldo evoca a força que lhe dera o pacto: ‘Lembrei dum rio que viesse a dentro da casa de meu pai’. (36)

Quando fala dos caprichos do amor: ‘Coração vivo feito riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas.’ (37)

“Navegar, remar, travessia, são palavras que muito emprega.” Por exemplo: “O jagunço Lacrau, que tem medo do Diabo, não se arrisca a ‘navegar por detrás das coisas” e “Medeiro Vaz, é chefe até na hora da morte ‘se governando mesmo no remar da agonia’ “(37)

“Otacília o deslumbra, ela é o outro lado da vida, a doçura que não conhecia: – ‘Me airei nela com a diguice duma música, outra água eu provava’. Otacília é remanso de rio, a curva onde ele se acolhe, onde a correnteza do destino puxa menos – ‘Otacília sendo forte como a paz, feito aqueles largos remansos do Urucúia, mas que é rio de brabeza’.” (38)

Já Diadorim é uma correnteza: ‘Diadorim, esse, o senhor sabe como um rio é bravo?’ (38)

“Murado na solidão do amor proibido, Riobaldo ‘turvava muito’ como o rio Cariranha, ‘quase preto’.” (38)

“Num intervalo da luta, sentindo o cheiro dos mortos, começa a filosofar sobre a condição humana dos adversários, que ‘ não deviam de ser somente os cachorros endoidecidos, mas em tanto, pessoas, feito nós’. O problema o tortura: ‘Uma poeira dessa dúvida empoou minha ideia, – como a areia mais fininha que há: que é a que o rio Urucúia rola dentro de suas largas águas, quando as chuvaradas do inverno.'” (39)

“Pecador, receando ter vendido a alma ao demo, Riobaldo transfere para o rio a necessidade de purificação: ‘Queria ver ainda uma igreja grande, brancas torres, reinando de alto sino, no estado do Chapadão. Como que algum santo ainda não há de vir das beiras deste meu Urucuia?'” (39)

“Riobaldo, Rio-Baldo, não se realizou como jagunço. Ele mesmo descobre na Fazenda dos Tucanos, analisando a atitude dos companheiros: ‘… o que parecia moagem, para eles era festa. Feito meninos. Disso eu fiz um pensamento: que eu era muito diverso deles todos, que sim. Então, eu não era jaguço completo, estava ali no meio executando um erro.'” (40)

“Jagunço frustrado na hora decisiva, ausente do último combate, assiste, da janela do sobrado, imobilizado pelo ataque, ao duelo entre Diadorim e Hermógenes. Diadorim morre, o rio muda de rumo: ‘O senhor nonada conhece de mim: sabe o muito ou o pouco? O Urucúia é ázigo… Vida vencida de um, caminhos todos para trás…'” (40)

“‘O Urucúia, perto da barra’, – ele pensava, no Paredão. Para os rios, a barra é a morte. Para Riobaldo, (40)
a velhice é fim de rio: ‘O meu Urucúia vem, claro, entre escuros. Vem cair no São Francisco, rio capital. O São Francisco partiu minha vida em duas partes'” (41)

“Quando, pela primeira vez, garoto pobre, atravessou o São Francisco, em companhia do Menino, teve muito medo. Riobaldo é o Urucúia, o afluente, para quem o do Chico representa o fim, a morte.” (41)

“É a barra. Acabou-se o Urucúia que nasceu de um buriti, amou um buriti e se acabou no São Francisco. O São Francisco é que chega à grandeza do mar, o Urucúia, não: é um rio baldo.” (42)

(Continua, se os deuses forem bons 🙂 )

Bibliografia:

PROENÇA, Manuel Cavalcanti. (1958) Trilhas no Grande sertão. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional.