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De amor e ódio: o técnico de futebol segundo Roberto DaMatta

 

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De amor e ódio: o técnico de futebol segundo Roberto DaMatta

Marcos Alvito

Por causa dele, quase sofri uma inédita reprovação na faculdade. Era o início da década de 80 e a sisuda professora de metodologia da História não gostou nada de receber um projeto sobre futebol. No quadro teórico só dava ele, o craque Roberto DaMatta, um dos pioneiros no estudo do futebol no Brasil. O aluno rebelde se inspirava no belíssimo Universo do Futebol, organizado por aquele que já era um dos nossos mais renomados antropólogos.

O texto que vamos comentar hoje talvez não seja dos mais conhecidos. É um artigo que DaMatta escreveu sobre técnicos de futebol. Apareceu em um livro muito interessante organizado pelo SESC São Paulo: Técnicos: deuses e diabos da Terra do Futebol. É nele que aparece o precioso texto “Planejando na incerteza”.

DaMatta começa demonstrando haver uma enorme contradição no uso da palavra “técnico”:

“Tomar o modelo do ‘técnico’ inspirado nas disciplinas mais ‘tecnocráticas’ como a física, a mecânica, a química, certos setores da biologia e da economia, transpondo-o às relações humanas em geral e, em especial, a certos campos da sociedade, como a política e, sobretudo, aos esportes, engendra problemas curiosos e paradoxos inesperados.”

É, literalmente, uma missão impossível, a do ‘técnico’ de futebol:

“Sendo responsável pela articulação de coisas previsíveis e racionais (preparar física e emocionalmente a equipe, estudar e aplicar um conjunto de técnicas e táticas a serem usadas em cada partida) e de aspectos invisíveis e mágicos (as relações entre o time e a incerteza), quem ocupa esse papel vira um recipiente de fantasias e expectativas contraditórias e paradoxais.”

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Clique na foto e confira a entrevista do Ludopédio com Roberto DaMatta. Foto: Sérgio Settani Giglio.

E continua, mostrando tudo que se espera:

“Há então, quem espere que o ‘técnico’ tenha poderes não só de vencer pela ‘técnica’, é óbvio, mas sobretudo ‘dar sorte’. Há, igualmente, quem entenda que o ‘técnico’ tenha obrigações de prever não só as táticas dos adversários, mas os golpes do destino e do azar.”

Só isso que o técnico tem que fazer ?

DaMatta acrescenta a questão do personalismo característico da sociedade brasileira, que costuma adorar eleger bodes expiatórios, em todos os campos, da política ao futebol. E no futebol, quando dá bode, o culpado é sempre o técnico, que simboliza com perfeição o coletivo, já que é responsável por ele. Daí a ciranda veloz dos técnicos que podemos observar lendo as páginas de esportes dos jornais brasileiros.

O que a professora não entendia é que estudar o futebol permite entender o imaginário coletivo brasileiro, nossos valores e sonhos. DaMatta enfrentou corajosamente o preconceito da academia e ajudou a abrir um caminho importantíssimo para as ciências sociais, a cada dia mais trilhado e com mais profundidade, como podemos ver neste Ludopédio.

Conclui o mestre:

“Haja, pois, coração, coragem e ‘bolas’ para ser ‘técnico de futebol do Brasil’ e conjugar e conjurar acaso e necessidade, técnica e destino, amor e ódio.”

O artigo terminou. Mas gostaria de deixar uma palavrinha para Roberto DaMatta, que sem saber foi meu ‘técnico’ no tal projeto de pesquisa:

Mestre, a megera me deu seis, mas mesmo que eu tivesse sido reprovado, teria valido a pena. Obrigado 🙂