Ética no futebol e pássaros na lua…
As duas coisas seriam bonitas de se ver. E ambas deixam de acontecer pelo mesmo motivo: falta de uma atmosfera que permita à ética ou aos passarinhos sobreviverem.
O futebol profissional não é um esporte. É um espetáculo televisivo, o show mais visto no mundo todo. Às redes planetárias de televisão importa a audiência que ele capta. Quanto mais audiência, mais as televisões podem cobrar dos seus reais clientes: as empresas que veiculam seus anúncios antes, durante e depois das partidas. Os telespectadores e telespectadoras são consumidores em potencial dos produtos fabricados pelas empresas: carros, chocolates, fraldas descartáveis, geladeiras e por aí vai. Vivemos no sistema capitalista. As empresas estão interessadas no lucro. O futebol dá lucro, direta ou indiretamente. Milton Santos já assinalou a passagem da competição para a competitividade. Na competição a empresa queria chegar na frente das outras, assumir a liderança do setor. Competitividade é quando cada uma das empresas sonha em eliminar as outras até dominar sozinha todo o mercado. Esse é o ar respirado pelo futebol enquanto show, enquanto produto.
Sendo assim, nem mesmo consigo entender a pergunta: ética no futebol? É melhor perguntar a quem sabe:
Pergunte às milhões de crianças, adolescentes e jovens no mundo todo, que se submetem a treinamentos pesados e frequentes sonhando em serem jogadores de futebol para que depois a imensa maioria seja descartada sem ter recebido em troca uma preparação profissional adequada.
Pergunte aos agentes que levam alguns desses jovens para o exterior, com promessas de dinheiro e fama, para depois abandoná-los lá. Isso quando não cobram da família taxas inexistentes para que eles possam jogar no Barcelona, no Milan e em outros clubes planetários.
Pergunte à imensa maioria dos jornalistas esportivos brasileiros que continuam chamando jogadores de “peças” (termo utilizado para os escravos) e décadas depois do fim da lei do passe ainda falam em jogador comprado ou vendido, quando o certo seria dizer: foi contratado ou teve seus direitos federativos adquiridos.
Pergunte aos presidentes de clubes brasileiros acerca da sua conivência histórica com torcidas organizadas violentas, as quais, por sua vez, deixam de questionar a política adotada, os preços dos ingressos e outros absurdos.
Pergunte quem foi o gênio que mandou derrubar os estádios para construir arenas, tudo com dinheiro do povo, mas agora cobrando pelo ingresso um valor que impede a este mesmo povo de estar presente.
Pergunte aos dirigentes da CBF o que eles fazem com o futebol brasileiro além de embolsar os milhões e milhões gerados pela seleção brasileira e pelo campeonato brasileiro.
Pergunte a quem elabora o regulamento das competições de futebol no Brasil como se permite o absurdo de um clube poder comprar o jogador de um outro clube depois de iniciado o campeonato. Será que não se vê que isso só ajuda a fortalecer os clubes com mais recursos e a enfraquecer os clubes ditos “menores”?
Pergunte quantas vezes houve viradas de mesa no campeonato brasileiro em menos de meio século de existência. Teve até clube que passou voado da terceira para a segunda divisão.
Pergunte aos árbitros quantas vezes já deixaram de marcar pênaltis contra os clubes “grandes” e quantas vezes o fizeram contra os “pequenos”.
Pergunte aos criadores da Premier League se a liga foi criada para não ter que dividir a grana da televisão com as outras três divisões da Football League.
Pergunte ao Bayern de Munique se é bonita a tática de comprar os melhores jogadores dos times alemães para enfraquece-los e facilitar mais uma taça. Ou se foi bonito contratar Goetzee, o astro do Borussia Dortmund quase na véspera da decisão da Champions League.
Enfim, são muitas perguntas, não é mesmo? Só mais uma. O que você acha que aconteceria com o Jô se o Corinthians viesse a perder o título do Brasileirão 2017 por conta de um “ataque de ética” do atacante? Praticamente não me lembro de jogadores auto-acusando-se, ainda por cima para anular um gol. E olha que toda a semana o futebol do mundo todo passa diante dos nossos olhos.
Vou reformular minha afirmativa inicial. Talvez seja até possível levar pássaros à lua e inspirá-los a cantar. Mas ética no futebol…