UM BANDEIRA CRAVADO NO CORAÇÃO DO FLAMENGO
Eu estava lá na véspera do assassinato. Era o último jogo do Maracanã com geral, uma partida em que o Fluminense começou perdendo mas depois virou para dois a um sobre o São Paulo. O resultado era muito menos importante do que o fato histórico de que os “dirigentes” do futebol brasileiro haviam decidido que o espaço mais popular do nosso maior estádio deveria ser simplesmente suprimido. O que foi feito ao som de fanfarras com massivo e bombástico apoio da imprensa falada, escrita e televisionada. A geral era vista como arcaica, selvagem, ultrapassada, como obstáculo à modernização do nosso futebol.
Treze anos depois, como está o futebol brasileiro modernizado? Bilhões de reais devorados por empreiteiras e seus sócios menores: políticos e burocratas. “Arenas” vazias, muitas vezes mal-administradas e já sofrendo deterioração. Público? Dizem que os norte-americanos não gostam de futebol, mas a média de público da Major League Soccer na temporada 2017-8, recém-terminada, foi de quase 22 mil pagantes. Só para terem uma ideia, a última vez que um campeonato brasileiro teve média acima de 20 mil pagantes foi em 1987, quando o Flamengo foi campeão.
A verdade é que o público, para os principais clubes, pouco importa. Suas maiores receitas, exatamente a metade, vêm da venda dos direitos de transmissão pela TV, segundo estudo feito pela BDO. Podemos dizer, sem medo de errar, que a televisão é a sócia-majoritária do futebol brasileiro, praticamente a dona, se levarmos em consideração o mecanismo do adiantamento de receitas aos clubes mais necessitados, ou seja, a muitos. Há também a receita da “venda” de jogadores, que na verdade é a transferência de direitos federativos. Segundo o relatório “Valor das marcas dos clubes brasileiros – finanças dos clubes – 2107”, a transferência de direitos federativos de jogadores representa cerca de 14%. Somados aos 50% da televisão já temos 64%. As receitas com publicidade estariam em torno de 11%, perfazendo 75%. Claro que isso varia de clube a clube, há clubes que negociam mais direitos federativos, outros que conseguem melhores contratos publicitários ou pagamento de direitos junto à televisão. Mas, grosso modo, a análise se mantém.
Sobram 25%, correto. Dez por cento vêm de “outras”, o que inclui os programas de sócio-torcedor. Restam 15%. Mais 9% da receita dos clubes vem da sua atividade como clube social. Fizeram as contas? A receita com bilheteria representa apenas 6% da renda dos clubes. Ora, se você é presidente, ou melhor, se é CEO de uma empresa, o que será mais importante para você: o que gera metade da renda da companhia ou o que traz apenas quase insignificantes 6%? É assim que o presidente do clube mais popular do Brasil administra o Flamengo. Saneamento financeiro, OK. Aumento de receitas, OK. Organização, administração profissional, gerente de marketing, tudo de acordo com o figurino. De uma empresa.
Acontece que um clube de futebol pode até ser gerido como uma empresa. Pode até vir a se parecer com uma empresa. Mas não é uma empresa e no dia em que se transformar de fato em uma, não existirá mais como clube. É melhor mudar a placa para Flamengo Cia. Ltda. Um clube não escorraça ídolos (Jaime, Carpegiani), um clube não despede de forma humilhante um técnico formado em sua base (Zé Ricardo). Mas, principalmente, um clube não renega sistematicamente a sua própria torcida. Hoje o Flamengo tem um dos ingressos mais caros do futebol brasileiro. O elitista programa de sócio-torcedor impede a presença do “povão” nos jogos mais importantes. Eles que vejam no boteco ou paguem PPV devem pensar os almofadinhas que dirigem o clube.
O Flamengo Cia. ltda. poderá até nadar em dinheiro e lançar ação na bolsa como os clubes fizeram há décadas. Poderá até comprar os melhores jogadores do mundo. Mas, e aqui rogo uma praga, uma maldição eterna, enquanto o Flamengo não for o Flamengo novamente, enquanto o Flamengo não retomar sua alma e sua alma é sua torcida, toda ela, vai vagar de decepção em decepção, de fracasso em fracasso.
Porque hoje há um Bandeira cravado no coração do Flamengo.
E ao invés do nosso amado CRF, o novo brasão ostenta o símbolo $$$.