“O grande ator político comanda o real através do imaginário. Ele pode, aliás, manter-se em uma ou outra dessas cenas, separá-las, governar e produzir um espetáculo. Como Luís XIV em seus divertissements, o Rei se torna comediante. A ópera francesa se edifica sobre um terreno político. O Balé Cômico da Rainha, produzido em outubro de 1511 por ocasião do casamento do duque de Joyeuse com a cunhada de Henrique III, foi uma das primeiras manifestações deste tipo (…). É uma representação centrada inteiramente no Rei, figurando em seu carro-camarote. A ópera do século XVII, segundo a expressão de P.J. Salazar em seu trabalho consagrado às ideologias da ópera, manifesta o mito afirmando a ‘perfeição da cidade, do Estado, da natureza monárquica’. Ela é concebida como uma expressão estética perfeita, uma arte mimética da natureza física e da sociedade monárquica. Sua ordem e esplendor mostram suas virtudes similares, e finalmente, um mundo acabado de que o monarca é o centro aparente. Desde os mecanismos da natureza descritos pela física cartesiana, até as maquinarias e reconstruções básicas da ópera e os dispositivos do Estado mantidos pelo Rei, tudo se encontra em correspondência. O imaginário clássico projeta sobre a cena, onde se desenrola o drama lírico, as representações de uma ordem, onde tudo é harmonia. Produz esta ilusão, e, fazendo-o, a justifica.”
BALANDIER,Georges. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982.