O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA
COISA MISERÁVEL
Coisa miserável,
suspiro de angústia
enchendo o espaço,
vontade de chorar,
coisa miserável,
miserável.
Senhor, piedade de mim,
olhos misericordiosos
pousando nos meus,
braços divinos
cingindo meu peito,
coisa miserável
no pó sem consolo,
consolai-me.
Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe
ou, quem sabe? para um céu vazio.
É melhor sorrir
(sorrir gravemente)
e ficar calado
e ficar fechado
entre duas paredes,
sem a mais leve cólera
ou humilhação.”
Carlos Drummond de Andrade. Nova reunião: 23 livros de poesia – Volume 1. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2010. 3.ed.