/The ball is round – Capítulo 8, O caminho para o Eldorado: o futebol sul-americano, 1935-1954 – Parte B

The ball is round – Capítulo 8, O caminho para o Eldorado: o futebol sul-americano, 1935-1954 – Parte B

Marcos Alvito

(da série Leituras para pensar o futebol)

The ball is round – Capítulo 8, O caminho para o Eldorado: o futebol sul-americano, 1935-1954 – Parte B

III.

Por cerca de um século os Conquistadores haviam explorado as montanhas e florestas do que viria a ser a Colômbia, procurando pelo Eldorado, a terra do ouro. Eles nunca encontraram. Para aventureiros estrangeiros, o Eldorado seria encontrado na forma de jogar alguns anos nos campos das maiores cidades colombianas. O futebol na Colômbia havia feito pouco progresso na primeira metade do século XX. Chegou primeiramente em Barranquilla, na costa do Caribe, trazido por marinheiros e engenheiros britânicos, mas sua difusão foi lenta que nem o transporte fluvial que predominava no país. A geografia da Colômbia, atravessada por grandes cordilheiras e vales, demandava um nível de investimento em ferrovias, túneis e pontes que ainda não era possível. Nas décadas de 1930 e 1940, graças ao café, a Colômbia começa a mudar. No final da Segunda Guerra Mundial o café já representava 80% das exportações e alimentou um boom econômico e a transformação social do país. O sistema ferroviário finalmente começou a ligar entre si as partes menos acessíveis do país. As cidades maiores, Bogotá, Medellín, Barranquilla e Cali, começaram a se industrializar. Trabalho e riqueza atraíram uma onda de migrantes rurais. As condições econômicas e urbanas essenciais para que ocorresse a profissionalização do futebol haviam chegado. Em 1947 Barranquilla forma uma liga amadora e no mesmo ano Bogotá cria a primeira liga profissional do país. A ideia veio a partir do enorme sucesso da excursão do San Lorenzo à Colômbia alguns meses antes. Mas antes que tudo pudesse começar, a política se intrometeu.

Jorge Eliécer Gaitán, com sua aparência de mestiço e sua posição relativamente marginal no Partido Liberal, tem enorme apelo popular e acaba formando uma coalizão composta pelos pobres do campo, pelos miseráveis, pela classe trabalhadora especializada e pelas classes médias marginalizadas das cidades. Em 1948 ele era o prefeito de Bogotá e candidato a presidente, uma eleição que já parecia ganha. A classe dominante colombiana sabia que haveria uma onda de reformas sociais. Em 9 de abril de 1948, Gaitán é assassinado em circunstâncias até hoje misteriosas. A revolta nas ruas foi intensa e a repressão também: vinte mil pessoas morreram.

Os primeiros jogos da liga profissional de Bogotá haviam sido marcados para maio e foram adiados até agosto de 1948. Só que uma série de disputas entre a liga de Bogotá e a de Barranquilla fizeram com que a FIFA suspendesse a liga profissional, proibindo seus clubes de competirem internacionalmente ou de realizarem amistosos com clubes estrangeiros. Alfonso Senior Quevedo, fundador da liga e presidente do Milionários, viu naquilo uma oportunidade: ligas e clubes que não mais pertenciam à FIFA estavam livres para contratar jogadores sem ter que obedecer às regras da FIFA acerca da transferência de atletas. Por exemplo: não havia necessidade de pagar absolutamente nada pelo passe do jogador. O que permitia pagar salários altíssimos. Logo de saída, Pedernera, do incrível quinteto do River Plate, é seduzido pelo salário que lhe é oferecido.

Além do dinheiro, a Colômbia também oferecia uma relativa liberdade e dignidade. E além de Buenos Aires, buscaram jogadores em Rio, Lima, Assunção e Montevidéu. Em 1949, o Milionários tinha nove argentinos, um brasileiro, um colombiano, um chileno e um peruano. Em 1950 havia 109 jogadores estrangeiros da melhor qualidade jogando na liga pirata da Colômbia, dos quais 57 eram argentinos. O Eldorado futebolístico chegou a atrair jogadores de toda a Europa, incluindo a Inglaterra, a Escócia, a Irlanda, a Hungria e a França. Às vezes o salário oferecido representava 100 vezes ou mais do que o salário pago no país de origem.

O governo, diante de uma situação política difícil, viu na liga um meio de granjear popularidade e a apoiou. A atmosfera política estava elétrica e as manifestações eram constantes. O Bogotazo, como veio a ser chamado o despertar de uma onda de perturbação social, transformou-se numa guerra civil. Enquanto os liberais boicotaram a eleição de 1949, ela foi ganha por um conservador autoritário e de direita, Laureano Gómez, admirador de Franco e de Salazar. Sua preocupação maior era o respeito à propriedade e suspendeu as liberdades civis completamente. Multidões apoiadas pelos conservadores saquearam e queimaram os escritórios dos principais jornais do país, o Congresso foi fechado, a Suprema Corte foi lotada com homens de confiança do presidente e a manipulação eleitoral se tornou a norma. Os liberais abandonaram a política e formaram um exército guerrilheiro no campo, tomando parte nos conflitos rurais e trabalhistas que se seguiram ao levante. Eles tiveram que enfrentar uma guerra de terror empreendida pelo governo e uma repressão tão furiosa que 50 mil pessoas morreram nos confrontos de 1950 e cerca de 200 mil nos três anos seguintes. As cidades foram pacificadas através de um severo policiamento, repressão ao Partido Comunista e aos sindicatos. A liga pirata de futebol proporcionava a distração e a terra de sonho do circo.

Mas que circo! Em 1950 a liga tinha um futebol tão aberto e ofensivo que só houve seis partidas sem gols em todo o ano. O Millionarios era o time principal, pois além de Pedernera contratara o jovem Di Stéfano e o craque uruguaio José Jacuzzi. Ganharam o campeonato nacional quatro vezes em cinco anos entre 1949 e 1953. Em 1951 permaneceram invictos. Di Stéfano disse que o único método deles era atacar e bater o adversário sem humilhá-lo. Depois que faziam gols suficientes, o balé começava. A multidões vinham em peso assistir o Ballet Azul (cor do Millonarios).

A FIFA e a CONMEBOL, ignorando totalmente o banho de sangue que estava ocorrendo, só queriam negociar o fim do Eldorado futebolístico. Em 1951 costuram um acordo: a liga poderia continuar mais um pouco, até 1953, quando teria que encerrar suas atividades. A Colômbia seria recebida de volta na FIFA mas com a obrigação de seguir as regras. Os colombianos toparam. Enquanto tinha seus craques, o Millonarios saiu em excursão, maravilhando as plateias de Chile, Uruguai, Peru, Argentina e Bolívia. Depois foram à Espanha. Voltaram para casa e ainda venceram um último campeonato nacional antes que suas estrelas se dispersassem.

O futebol colombiano reverteu ao nível equivalente ao seu desenvolvimento econômico e político. A maconha apareceu pela primeira vez em Bogotá. Drogas, futebol e violência reunir-se-iam novamente três décadas depois.

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