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The ball is round – Capítulo 8 – O caminho para o Eldorado: o futebol sul-americano, 1935-1954 – Parte C

Marcos Alvito

The ball is round – Capítulo 8 – O caminho para o Eldorado: o futebol sul-americano, 1935-1954 – Parte C

(da série Leituras para pensar o futebol)

IV. 

Na maior parte das décadas de 1920 e 1930, o futebol brasileiro viveu na sombra do futebol platino. Enquanto a Argentina e o Uruguai estavam disputando finais olímpicas e da copa do mundo, o Brasil perdia para a Iugoslávia na Copa de 1930 e para a Espanha em 1934. A onda de jogadores migrando para a Espanha e Itália na década de 1930 foi composta por apenas alguns brasileiros, a maioria dos quais sem grande sucesso. Mas na Copa de 1938 na França, o Brasil era o único representante da América do Sul. E entrou no palco com estilo. Um jogo loucamente ofensivo contra a Polônia liberou seus atacantes e expôs sua defesa. O Brasil ganhava de 3 a 1 ao fim do primeiro tempo, mas depois de 90 minutos o placar era 4 a 4. Leônidas, que já havia feito três gols, fez mais um na prorrogação para o Brasil vencer por 6 a 5. Contra os tchecos, o Brasil mostrou que poderia encarar um jogo mais pesado com os europeus. No empate, três foram expulsos (dois brasileiros) e dois tchecos saíram com ossos quebrados: Plánicka e Nejedlý, braço e perna respectivamente. No jogo de desempate, houve 14 substituições nos dois times e uma estranha mudança de atmosfera. Em um estado bizarro, semi-catatônico, o Brasil ganhou de 2 a 1 e foi para Marselha enfrentar os italianos nas semi-finais.

Reza a lenda que a confiança existente no campo de treinamento brasileiro era tão grande que eles já haviam comprado as passagens de trem para disputar a final em Paris e que Leônidas havia sido posto a descansar já antecipando a vitória na semifinal. A realidade é mais tediosa: Leônidas estava machucado e os italianos eram bons de bola. A Itália venceu por 2 a 1. A seleção brasileira reuniu suas forças e voltou a Bordeaux para bater os suecos e ficar com o terceiro lugar, um resultado muito celebrado no Brasil. O que diferenciava este time brasileiro não era somente o seu sucesso e sim o fato de que suas duas estrelas incontestáveis, o atacante Leônidas da Silva e o beque central Domingos da Guia eram negros. Isto fez o sociólogo Gilberto Freyre comparar nosso estilo de futebol à capoeira, com sua beleza, sua plasticidade, astúcia e espontaneidade, traços que atribuía à nossa miscigenação, ao nosso, em suas palavras “mulatismo”.

As idéias de Freyre foram adotadas e desenvolvidas por muitos dos políticos e intelectuais brasileiros, incluindo Mário Filho, o principal jornalista futebolístico da época, que tinha feito campanhas sem fim nas décadas de 1920 e 1930 pela profissionalização do futebol brasileiro e acima de tudo pela inclusão igualitárias de jogadores negros no esporte. Tanto Filho quanto Freyre diziam que isso não era somente um imperativo moral como também um reconhecimento do fato do “mulatismo” essencial do Brasil – sua mistura, sua diversidade, suas qualidades africanas – ajudaram a criar uma cultura corporal, um estado de espírito e uma maneira de cooperar que alçou o futebol a um novo nível – um argumento inventado, ilustrado e mitologizado no clássico de Mário Filho, O negro no futebol brasileiro.

Seja lá qual fora a verdade precisa dos argumentos sociológicos e biológicos de Freyre e Filho, o impacto esportivo dos jogadores negros foi indubitável. No Rio, os dois times que mais sistematicamente contratavam jogadores negros – Flamengo e Vasco – ganharam tanto o Campeonato Carioca quanto o coração da massa. Por contraste, o Fluminense, que cuidadosamente mantinha sua política de somente brancos recrutando cada vez mais longe do Rio, e o Botafogo, que também era inicialmente elitista, decaíam. Similarmente, no Rio Grande do Sul eram as equipes racialmente mistas do Internacional que dominavam, deixando o Grêmio, com suas raízes germânicas explícitas e seus times brancos em segundo lugar. São Paulo, que até então havia sido uma cidade mais branca e com uma cultura futebolística branca, recebeu um massivo influxo de jogadores negros e mestiços nas décadas de 1930 e 1940, incluindo Leônidas e Domingos, que se transferiram para o São Paulo FC em 1944, trazendo o estilo de jogar afro-brasileiro e glamour.

Com a chamada “Revolução de 30”, Getúlio Vargas chega ao poder e implementa três políticas interligadas: a centralização do poder nas mãos do governo federal em detrimento dos estados; a criação de um forte sentimento de identidade nacional; e a marginalização e repressão de identidades imigrantes resistentes. A combinação de centralização e nacionalismo foi usada para criar um estado nação que iniciava um programa de industrialização e desenvolvimento. Com o esmagamento tanto dos fascistas quanto dos comunistas, Vargas assume o poder de maneira ainda mais autoritária com a implementação do Estado Novo em 1937, com prejuízo para os direitos civis e o banimento dos partidos políticos. O poder estava centralizado no poder executivo em um modelo de sociedade semi-corporativa inspirada em Mussolini.

Neste contexto o futebol, da mesma forma que o carnaval, que foi efetivamente racionalizado por Vargas, era um instrumento de política populista óbvio. Vargas tentou vencer a oposição a ele em São Paulo ao financiar a construção do estádio municipal do Pacaembu no início dos anos 1940. Da mesma forma, no Rio o Flamengo se beneficiou de um empréstimo com juros baixos conseguido pelo presidente e que permitiu a compra de terrenos; um favor estendido ao clube pelo presidente seguinte: o Marechal Dutra. Os grandes anúncios de Vargas, como a legislação trabalhista ou o salário-mínimo – eram feitos em São Januário, no estádio do Vasco da Gama. O interesse ativo dos militares na educação física agora se fundia com a política governamental de nacionalismo através do desenvolvimento inclusive biológico. O país e o corpo do seu povo tinham que ser fortificados para a industrialização, então Vargas criou o Conselho Nacional de Desportos (CND) em 1941. Este centralizava o poder e o controle sobre cada aspecto do desenvolvimento esportivo da nação. Sediado no Ministério da Educação e Saúde, o CND tinha diretores militares e civis diretamente apontados pelo presidente e deu ao estado um poderoso instrumento para modelar o futebol.

Quando o Brasil entra na Segunda Guerra Mundial em 1943, as substanciais comunidades alemãs, italianas e japonesas passaram a estar sob suspeita. A demonstração pública destas identidades étnicas, incluindo as associadas a clubes de futebol, foram proibidas. Sendo assim o Palestra Itália, a equipe dos italianos de São Paulo, tornou-se Palmeiras, da mesma forma que seus equivalentes em Curitiba e Belo Horizonte reapareceram em suas novas encarnações brasileiras como Coritiba e Cruzeiro.

Mas o projeto nacionalista de Vargas ia muito além da repressão. A inclusão e verdadeira celebração dos afro-brasileiros como parte da nação apontava para um processo ao mesmo tempo mais inclusivo e mais rico. O arcabouço intelectual e político estabelecido pela celebração freyreana da miscigenação, diversidade e mulatismo e o populismo nacionalista de Vargas foram disponibilizados para uma massiva fruição cultural por uma talentosa geração de intelectuais do futebol brasileiro. Para começar, Mário Filho, que continuou a editar, publicar e escrever sobre futebol em todo esse período. Apesar do estilo aparentemente sério e sóbrio, foi o grande criador de mitos do futebol brasileiro. Basta citar o relato do Fla x Flu da Lagoa em 1941. Seu irmão mais novo, o teatrólogo Nelson Rodrigues, continua essa tradição e a eleva a outro patamar, com intensidade cômica e ácido comentário social.

Um pouco depois da Argentina, o rádio começou a se difundir no Brasil nos anos de 1930 e os comentários de futebol eram parte importante do cardápio das primeiras transmissões. Em 1942 o locutor de corridas de cavalos Rebelo Junior deu ao futebol brasileiro sua primeira exclamação clássica, ao gritar pela primeira vez de forma prolongada ‘Gooooooooooooooooooooooooool!’. Mas a voz que marcou o período foi a do incomparável Ary Barroso. Barroso era um estudante de direito vindo do interior de Minas que ao chegar ao Rio passava mais tempo com música, futebol e bailes do que estudando. Ele alcançou fama numa Copacabana que acabava de entrar na moda como compositor, mas também como pianista, escritor e fanático torcedor do Flamengo. Quando Hollywood estava fascinada por Copacabana e Carmem Miranda, Ary Barroso recebeu uma proposta para ser diretor musical em Los Angeles, trabalhando para Walt Disney. Em seu inglês quebrado deu uma resposta seca: ‘No have Flamengo’. O Flamengo e Ary estavam no rádio, onde ele era o locutor favorito do país. De forma absolutamente original, que não havia existido nem existiria depois dele, Ary tratava o jogo como uma possibilidade de invenção e ao mesmo tempo como um caso profundamente clubista. Quando o Flamengo marcava ele assinalava o gol tocando sua gaita de forma alegre. Quando era o adversário, a gaitinha tocava notas tristes. Ele começou a prática de entrevistar jogadores e árbitros quando saíam do campo e acabou por fornecer um brilhante comentário cômico acerca de uma verdade evidente acerca da sociedade civil brasileira: que praticamente tudo era visto através de lentes partidárias e motivado por interesses individuais.

Motivada pela performance brasileira na Copa de 1938, a FIFA concedeu ao Brasil o direito de sediar a Copa de 42. A Segunda Guerra o impediu, mas o congresso da FIFA de 1946 confirmou o Brasil como país sede da Copa de 50. Durante os preparativos para a Copa de 50, ainda no governo Dutra, os problemas práticos serviram de exemplo em um debate sobre o desenvolvimento econômico do Brasil. A despeito dos avanços durante Vargas, o Brasil sofria de um crônico problema de infra-estrutura industrial, energética e de transportes. Mário Filho liderou a ofensiva dos desenvolvimentistas argumentando que a construção de um novo estádio no Rio proporcionaria um palco digno para a copa do mundo. Por seu tamanho e estilo, o novo estádio seria um testemunho concreto da importância do futebol brasileiro e da nova modernidade urbana. Os críticos contra atacavam dizendo que os escassos recursos existentes deveriam ser gastos com escolas e hospitais.

O dinheiro foi levantado pelo governo, o projeto foi controlado pelo prefeito do Rio, Mendes de Morais e a construção do estádio foi iniciada em 1948. Quando do início do torneio o estádio mal estava terminado, mas era magnífico. O Brasil havia construído o maior e mais elegante estádio do mundo. O Maracanã era uma imensa elipse de concreto em dois níveis com capacidade oficial para mais de 160 mil pessoas. Seu teto de concreto plano em 360 graus, quando visto do sul a partir do Corcovado dava a impressão de uma nave alienígena pousada na zona norte do Rio. O estádio do Planeta Modernidade foi construído com algumas das primeiras camadas de concreto fabricadas no Brasil. Tudo foi construído demonstrando engenharia avançada e design minimalista. Uma espécie de praça esportiva popular no seu interior. Mário Filho escreveu que o Maracanã havia dado uma nova alma ao Brasil, prefigurando o despertar do gigantesco potencial brasileiro.

A preparação da equipe brasileira foi meticulosa, com o time concentrado em um campo de treinamento especial durante meses antes do torneio, servido por um exército de cozinheiros, funcionários e de uma equipe médica. O Rio se preparou. No carnaval, a Terça-Feira Gorda teve a copa do mundo como tema. A rádio tocava sem parar músicas que pediam ao Brasil para ganhar. A taça Jules Rimet foi colocada em exposição numa vitrine de uma sapataria na Avenida Rio Branco e recebia diariamente uma peregrinação de visitantes encantados e respeitosos. Bem no dia em que começou a copa estourou a Guerra da Coréia, mas ninguém notou. Todo mundo estava indo para o Maracanã.

Cinco mil pombos foram soltos e o estádio foi inaugurado com uma salva de 21 tiros de canhão. Um árbitro inglês que estava na arquibancada naquele dia afirma que foi coberto de pó branco que caiu do teto que acabara de ficar pronto. O Brasil passeou diante do México fazendo quatro e colocando seis bolas na trave. Por motivos políticos óbvios o jogo seguinte do Brasil foi em São Paulo. Com cinco modificações, o Brasil sofreu para empatar em 2 a 2 com a Suíça, um adversário bem organizado mas nada excepcional. Sendo assim o jogo final da fase de grupos se tornava crítico: a Iugoslávia havia ganho seus dois jogos e podia passar para a próxima fase ao invés do Brasil. Em um dia de grande calor, 160 mil pessoas lotaram o Maracanã. A Iugoslávia jogou com dez homens porque um de seus jogadores feriu a cabeça numa viga exposta no túnel do estádio inacabado. Até ele receber um curativo Ademir já havia feito um a zero para o Brasil. Com onze homens a Iugoslávia parecia uma equipe capaz de encarar o Brasil e conseguiu segurar até o final do segundo tempo quando Zizinho fez dois a zero e sacramentou a classificação brasileira.

Apenas dois dias depois começou o quadrangular final, uma forma pouco usual de disputar as finais, normalmente no sistema de semifinais e final. À medida que a seleção brasileira avançava, mais e mais os políticos e poderosos buscavam ser vistos ou fotografados com a equipe, mais e mais apareciam na concentração e no campo de treinamento onde até as famílias dos jogadores eram proibidas. Apesar da pressão da expectativa, o Brasil era um time sem peias que destroçou a Suécia por 7 a 1 e despachou a Espanha por 6 a 1. O jogo contra a Espanha foi eufórico. Depois do terceiro gol toda a multidão estava acenando lenços brancos e gritando adiós para os espanhóis. É então que a banda da torcida organizada oficial toca “Touradas em Madri”, uma das músicas preferidas de Carmem Miranda. Foi um momento memorável tanto para a história do futebol quanto da canção brasileira: o estádio virou um imenso coro. Por contraste, o Uruguai, o quarto membro do quadrangular, tinha tido mais dificuldades, empatando em 2 a 2 com a Espanha e só conseguira ganhar da Suécia com dois gols no finalzinho. Sendo assim, o último jogo, entre Brasil e Uruguai, acabara se tornando uma final de verdade, com o Brasil tendo a vantagem do empate. O Uruguai precisava ganhar para levar a taça.

V. 

Os vinte anos que se seguiram à conquista da Copa de 50 não foram tão bons no Uruguai. O triunfo havia sido conseguido no auge da prosperidade econômica do país. Mas a administração civil que governava o país há décadas caiu junto com o preço das matérias-primas e o exército deu um golpe militar em 1932, ao que se seguiu uma década de ditadura conservadora apoiada militarmente na qual a competição política era restrita.

Assim como a indústria da carne e da lã, o futebol uruguaio desapareceu do mercado mundial. Nenhuma seleção uruguaia foi enviada para as copas de 1934 e 1938 e as triunfantes excursões europeias da década de 1920 não se repetiram. Os melhores talentos continuaram a atravessar o Atlântico para jogar na Espanha e na Itália até meados da década de 1930; outros iam para Buenos Aires. Quando veio a oportunidade de aderir à corrida do ouro na liga pirata da Colômbia, houve uma virtual debandada de jogadores que estavam vivendo com os parcos salários que a economia do futebol uruguaio permitia. Em casa, com o futebol profissional era restrito a Montevidéu, a competição contraída e o título era dividido exclusivamente entre Peñarol e Nacional, que haviam se convertido num duopólio que se auto-perpetuava.

Os dirigentes do futebol uruguaio nem mesmo acreditavam que a seleção tinha alguma chance na final de 1950. O presidente da federação uruguaia, o Dr. Jacobo, teria dito para a equipe: ‘o importante é que eles não marquem seis gols. Se marcarem somente quatro gols nossa missão terá sido bem sucedida’. Este derrotismo foi a fagulha que irritou o time e o acendeu para a partida.

Nada conseguiria impedir a crença do Brasil na vitória. Diz-se que mais de 200 mil afluíram para o Maracanã – mais de 20% da população adulta do Rio. Continua sendo a maior multidão que jamais assistiu a uma partida de futebol. Em um dia cheio de superlativos logo veio o maior ato individual de hybris futebolística: o prefeito anunciou pelos alto-falantes: “Vocês, brasileiros, que eu considero vencedores do torneio… vocês, jogadores, que em algumas horas serão aclamados campeões por milhões dos seus compatriotas… que são superiores a qualquer outro competidos… vocês, a quem já saúdo como conquistadores’. Ninguém poderia sequer imaginar um script desses.

Depois da vitória, o time uruguaio deslizou para fora do estádio vazio e retornou para seu hotel. A festa da vitória acabou cedo com os dirigentes da federação uruguaia indo para clubes noturnos e cabarés enquanto alertavam os jogadores para permanecerem no hotel pois os brasileiros poderiam se tornar hostis. Obdulio Varela e Matucho, o massagista do time, beberam o vinho do hotel e saíram em uma odisseia etílica pela cidade, bebendo cerveja e uísque. Eles foram saudados em toda a parte por jornalistas estrangeiros e por brasileiros que se lamentavam. Logo após o Maracanazo, os torcedores não tinham energia nem inclinação para recriminações post-mortem. Os jogadores brasileiros se refugiaram e se consolaram da sua culpa e da sua angústia. A seleção brasileira jamais vestiria branco novamente.

O Brasil não jogou outra partida internacional até abril de 1952 e só voltou a jogar no Maracanã em março de 1954. Quando veio o tempo das cobranças, os bodes expiatórios foram Bigode, Juvenal e o goleiro Barbosa. Os três foram condenados na imprensa como covardes, sem fibra nem disciplina – e todos os três eram negros. Barbosa especialmente foi humilhado durante cinquenta anos até sua morte em condições miseráveis. Ele se lembrava de ir a uma padaria onde uma senhora teria apontado para ele e dito: “Veja, filho, eis o homem que fez o Brasil todo chorar”. Em 1993 a seleção brasileira concentrada em Teresópolis recusou-se a ser visitada por ele e o Brasil só escalou um goleiro negro novamente com Dida em 1995. O Brasil multirracial, confiante e progressista idealizado por Freyre e Filho para ser consubstanciado no futebol, foi dissolvido em um banho ácido de racismo, falta de confiança e nojo de si próprio.

O Brasil foi para a Copa do Mundo de 1954 sob o comando de Zezé Moreira. Moreira levou para a Suíça um time cuja força estava na defesa, embora o ataque incluísse talentos como o jovem Didi e Julinho. Juntos eles bateram facilmente o México, empataram com a Iugoslávia e levaram a equipe para as quartas-de-final. Desde o Maracanazo, uma crítica persistente aos jogadores brasileiros e por consequência à influência africana no futebol brasileiro era o suposto desequilíbrio psicológico dos craques – sua pouca capacidade para manter a cabeça no lugar, para jogar de uma forma disciplinada. Moreira tinha absorvido muitos desses argumentos e modelou seu time de acordo com eles.

Não funcionou direito. Nas quartas-de-final enfrentaram a favorita, a Hungria. Os magiares ganharam de quatro a dois mas o jogo é recordado mais pela violência crescente com que foi disputado. Bauer, o capitão brasileiro, atingiu Bozsik tão duramente que o húngaro teve que sair de campo para receber um tratamento mais prolongado. Em seguida o mesmo Boszik foi expulso juntamente com Nilton Santos por brigarem. Oito minutos depois Humberto também era expulso. Djalma Santos atingiu Czibor e Hidegkuti empurrou Índio lançando-o ao chão e pisando nas suas panturrilhas. Didi foi contido pela polícia do lado de fora do campo. Depois de deixar o gramado as equipes continuaram brigando no túnel e até nos vestiários.

A Copa de 1954 também foi um divisor de águas para os uruguaios. Os campeões de 50 foram bem na primeira fase despachando os tchecos, os escoceses e a Inglaterra. Nas semifinais eles também enfrentaram os húngaros e jogaram uma das maiores partidas da história das copas. Mas os húngaros eram mais fortes e melhores. O Uruguai foi para casa e só retornou a uma copa do mundo doze anos depois. Os principais jogadores uruguaios, Ghiggia e Schiaffino mudaram-se para a Itália, obtiveram cidadania italiana e passaram a jogar pela seleção italiana. No Uruguai, o governo nacional oscilava entre Colorados e Blancos e o campeonato nacional entre Peñarol e Nacional. Mas o que antes haviam sido fontes de tensão criativa, boas o bastante para tornar o Uruguai o sexto país mais rico do mundo e campeão mundial por quatro vezes (contando as duas Olimpíadas), era agora uma fonte de esclerose e declínio. O caminho para baixo seria longo, mas a partir de 1954 ele foi contínuo.

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