CALUNDUS (s.XVII)
Natureza e data do texto:
Trata-se de uma passagem de um poema de Gregório de Matos Guerra (1636-1696), composto entre 1679 e 1694 (quando é deportado para Angola). Aqui, o famoso “Boca do Inferno” satiriza os “viciosos moradores” da Bahia, os quais se entregavam a calundus. Calundu parece vir de kilundu, termo quimbundo para a divindade responsável para o destino de cada pessoa ou, segundo Nei Lopes (Dicionário Banto, p.64), viria de ancestral, pessoa que viveu em idade remota. No poema de Gregório de Matos, calundus parece ser o nome dado a uma forma arcaica do candomblé colonial, em que a adivinhação dos destinos individuais já representava papel importante. É bom observar que aqui a festa ritual não é exclusividade dos negros, mas já é frequentada por brancos, homens e mulheres.
Texto:
“Que de quilombos* que tenho
com mestres superlativos,
nos quais se ensinam de noite
os calundus, e feitiços,
com devoção os frequentam
mil sujeitos femininos,
e também muitos barbados
que se prezam de narcisos.
Ventura dizem que buscam;
não se viu maior delírio !
eu, que os ouço, vejo, e calo
por não poder diverti-los.
O que sei é que em tais danças
Satanás anda metido,
e que só tal padre-mestre
pode ensinar tais delírios.
Não há mulher desprezada,
galã desfavorecido,
que deixe de ir ao quilombo
dançar o seu bocadinho.
E gastam belas patacas
com os mestres de cachimbo,
que são todos jubilados
em depenar tais patinhos.
E quando vão confessar-se,
Encobrem aos Padres isto,
porque têm por passatempo,
por costume ou por estilo.
Em cumprir as penitências
rebeldes são, e remissos,
e muito pior se as tais
são de jejum, e cilícios.
A muitos ouço gemer
com pesar muito excessivo,
não pelo horror do pecado,
mas sim por não consegui-lo.”
Obs: Quilombo aqui aparece na sua acepção original: clareira aberta na mata, onde se davam tais reuniões.
Fonte: TINHORÃO,J.R.Os sons dos negros no Brasil (cantos, danças, folguedos: origens). São Paulo:Art Editora, 1988.pp.31-3.