“Esta distinção entre os fatos, dos quais era depositário o escravo, e a filosofia, reservada a seus patrocinadores brancos e instruídos, me parece um bom exemplo de uma má interpretação, que tem sido a base da recuperação das memórias e das fontes orais, na época contemporânea: de um lado, a ilusão do testemunho como uma tomada de consciência imediata, de primeira mão, autêntica, fiel à experiência histórica; e, de outro, a divisão do trabalho entre o materialismo das fontes e a intelectualidade do historiador e do sociólogo. Esta separação se fundamenta em preconceitos de caráter classista, que têm muito a ver com a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual e, no caso do negro Frederick Douglass e de seus patrocinadores liberais brancos, inclusive com preconceitos de caráter racista. No entanto, o eixo sobre o qual gira toda a questão não é nem mais nem menos que a ambígua utopia da objetividade: por um lado a objetividade da fonte e, por outro, a objetividade do cientista com seus procedimentos neutros e assépticos.”
PORTELLI, Alessandro. “A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais”. Tempo 2, Revista do Departamento de História, Rio de Janeiro, dez. 1996. p. 60