CHALHOUB – Ao reconhecer uma filha natural como herdeira, o conselheiro Vale, morto, demonstra a vontade de governar os vivos
“O conselheiro Vale, todavia, tivera um único filho, o jovem Estácio, personagem de robustas qualidades e formado em matemáticas. Na ausência de tensão e partilha entre os herdeiros, os ricaços do Andaraí poderiam talvez esperar um processo tranquilo de sucessão familiar. Aberto o testamento, com todas as formalidades de praxe, descobre-se que o conselheiro reconhecia uma filha natural, de nome Helena, declarada herdeira da parte que lhe tocasse dos seus bens. Mais ainda, e numa demonstração cabal de que o espírito do morto conhecia perfeitamente o seu direito de governar os vivos, o conselheiro ordenava que a menina fosse viver com a família em Andaraí, e que todos a deveriam tratar ‘com desvelo e carinho, como se de seu matrimônio fosse’ (H., cap. II). Em outras palavras, não satisfeito em legar suas propriedades, o conselheiro Vale dispunha que os seus também lhe deviam herdar seus sentimentos.”
Sidney Chalhoub. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 20