CHALHOUB – Estácio, filho do conselheiro, encara os acontecimentos como um destino de classe
“O fato, porém, é que os preconceitos de d. Úrsula e a cupidez pecuniária do doutor acabaram se esvaindo diante de Estácio, o legítimo herdeiro das prerrogativas morais e materiais do conselheiro. Não surpreende que tenha que ser assim, pois o filho
22: era o principal interessado em que as últimas vontades do pai fossem cumpridas; com efeito, o ritual de submissão às determinações derradeiras do finado significava solidificar a própria condição de Estácio como detentor, daí por diante, do poder de exercício da vontade senhorial. (…) Estácio passava a encarar o mundo à sua volta como mera expansão, quiçá uma concessão de sua vontade. Machado faz com que o jovem encare os eventos como uma espécie de destino de classe, e chega, com efeito, a explicar que ‘ele não cedia nem esquecia nenhum dos direitos e deveres que lhe davam a classe em que nascera’ (H. cap. II). É a Estácio, portanto, que fica a incumbência de aparar as divisões internas e disciplinar as resistências e ambições que poderiam comprometer o rumo ‘natural’ das coisas. E o rapaz bate o martelo, com firmeza, mas com a polidez e elegância que eram um dever em sua condição.”
Sidney Chalhoub. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. pp.21-22.