“A pesquisa que originou este livro iniciou-se, inadvertidamente, em fins da década de 1980. Redigia, à época, um livro sobre a história da escravidão no Rio imperial. Por acidente de percurso, que já não cabe aqui relembrar, retornei à obra de Machado de Assis enquanto escrevia aquele texto. Viajei então em suas páginas impregnadas do velho Rio, aquela cidade de distinção senhorial, rua do Ouvidor, teatro lírico, folhetins, política, burocracia, finanças e todo o ‘resto’ – escravos, agregados, caixeiros, operários, cortiços, febre amarela, varíola… Como historiador, desde sempre, fora esse ‘resto’ que me interessara. A releitura de Machado, mediada por vários anos de pesquisa sobre a história social do Rio no século XIX, foi dessas experiências intelectuais que não passam, e ainda assim deixam saudades. Surpreso, encontrava naqueles textos exposição detalhada das políticas de dominação social que buscava reconstituir a partir de outras fontes históricas; perplexo, percebia ali muita alegoria e reflexão sistemática sobre a experiência social de escravos, dependentes e outros sujeitos que, dizia-se, não estavam no centro da obra de Machado.”
Sidney Chalhoub. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. pp. 9-10.