A memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais
“Se é possível o conflito entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em conflitos que opõem grupos políticos diversos.”
e.g. disputas em torno da memória familiar, ligada a um nascimento ilegítimo que pode ter importância para resolver litígios em torno de heranças (pesquisa que o autor fez na Áustria)
noutro nível, a disputa pela memória no interior de um grupo como, por exemplo, o dos deportados durante a II GM:
“É totalmente trágico verificar até que ponto a memória deles constitui um cacife importante para serem reconhecidos pelos outros, num momento, logo depois da guerra, em que ninguém ou quase ninguém quer ouvir falar em sofrimento.”
Os motivos para a deportação tinham valores completamente diferentes:
Participação na Resistência > ser judeu > delito penal (mercado negro)
Tudo isto gera conflitos entre pessoas que vivenciaram os mesmos acontecimentos e dificulta que essas pessoas se sintam pertencentes ao mesmo grupo de destino, à mesma memória
Outro exemplo do caráter conflitivo: memória de organizações constituídas , como famílias políticas ou ideológicas
Caso da Resistência francesa,
composta por elementos diversificados, grupos comunistas e gaullistas levando a conflitos e litígios,
por exemplo, para determinar quem fora a vanguarda da Resistência, o que tinha extrema importância no jogo político pós-45. Cada parte queria ver triunfar a sua interpretação, e, por conseguinte “a sua memória específica”;
“A elaboração desse tipo de memória implica um trabalho muito árduo, que toma tempo e que consiste na valorização e hierarquização das datas, das personagens e dos acontecimentos.”
a própria lembrança da Resistência mudou muito ao longo do tempo:
-
nos depoimentos de resistentes na década de 50 poucos diziam ter ouvido o apelo do Gal. De Gaulle em 18 junho de 40;
-
hoje em dia será difícil entrevistar um resistente que não tenha escutado o apelo… Ou seja: “Sob certos aspectos, a memória gaullista conseguiu transformar-se em memória nacional, ou, pelo menos, deixou certo número de datas extremamente valorizadas.”
Outro exemplo, o personagem Jean Moulin que, nos anos 50 quase ninguém havia conhecido pessoalmente, mas, depois de virar herói (corpo transladado para o Panthéon) “passou a ser conhecido pessoalmente por todos”
(páginas 204-206)
In: POLLAK,Michael. “Memória e identidade social”, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n.10,1992,p.200-215.