/RESUMO do Capítulo 2 de Raízes do Brasil

RESUMO do Capítulo 2 de Raízes do Brasil

RESUMO do Capítulo 2 de Raízes do Brasil

2a. feira é dia do Curso Lendo o Brasil (no Flamengo).

Continuo a postar aqui os resumos utilizados na aula. Hoje é dia do segundo capítulo do livro de Sérgio Buarque de Hollanda.

AULA 06 – LENDO O BRASIL – Prof. Marcos Alvito – 06/08/18

Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda – trechos importantes

Capítulo II: Trabalho e aventura

[PORTUGAL E A COLONIZAÇÃO DAS TERRAS TROPICAIS] – “Pioneiros da conquista do trópico para a civilização, tiveram os portugueses, nessa proeza, sua maior missão histórica. E sem embargo de tudo quanto se possa alegar contra sua obra, forçoso é reconhecer que foram não somente os portadores efetivos como os portadores naturais dessa missão. Nenhum outro povo do Velho Mundo achou-se tão bem armado para se aventurar à exploração regular e intensa das terras próximas à linha equinocial” (p.12)
– “Essa exploração dos trópicos não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez-se antes com desleixo e certo abandono.” (p.12)

[DOIS PRINCÍPIOS QUE REGULAM DIVERSAMENTE AS ATIVIDADES DOS HOMENS] – “Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem e regulam diversamente as atividades dos homens. Esses dois princípios encarnam-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador. [p.ex. oposição entre povos caçadores ou coletores e povos lavradores].” (p.13)
– Para os aventureiros: “o objetivo final, a mira de todo o esforço, o ponto de chegada, assume relevância tão capital que chega a dispensar, por secundários, quase supérfluos, todos os processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore.” (…) “Esse tipo humano ignora as fronteiras.” (…) “Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes.” (p.13)
– “O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente restrito. A parte maior do que o todo.” (p.13)
– “Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácioa, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo.” (p.13)
– “Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.” (p.13)
– “Ambos participam, em maior ou menor grau, de múltiplas combinações e é claro que, em estado puro, nem o aventureiro nem o trabalhador, possuem existência real fora do mundo das ideias. Mas também não há dúvida que os dois conceitos nos ajudam a situar e melhor ordenar nosso conhecimento dos homens e dos conjuntos sociais.” (p. 14)
– “Na obra da conquista e da colonização dos novos mundos, coube ao ‘trabalhador’, no sentido aqui compreendido, papel muito limitado, quase nulo. (…) não foi fortuita a circunstância de se terem encontrado neste continente, empenhadas nessa obra, principalmente as nações onde o tipo do trabalhador, tal como acaba de ser discriminado, encontrou ambiente menos propício.” (p.14)
– “E essa ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis, tão notoriamente característica da gente da nossa terra, não é bem uma das manifestações mais cruas do espírito de aventura?” (p. 15)

[PLASTICIDADE SOCIAL DOS PORTUGUESES] – “E, no entanto, o gosto da aventura, responsável por todas essas fraquezas, teve influência decisiva (não a única decisiva, é preciso, porém, dizer-se) em nossa vida nacional. Num conjunto de fatores tão diversos, como as raças que aqui se chocaram, os costumes e padrões de existência que nos trouxeram, as condições mesológicas e climatéricas que exigiam longo processo de adaptação, foi o elemento orquestrador por excelência. Favorecendo a mobilidade social, estimulou os homens, além disso, a enfrentar com denodo as asperezas ou resistências da natureza e criou-lhes condições adequadas a tal empresa.” (p. 16)
– “Nesse ponto, precisamente, os portugueses e seus descendentes imediatos foram inexcedíveis. Procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma facilidade que ainda não encontrou, talvez, segundo exemplo na história. Onde lhes faltasse o pão de trigo, aprendiam a comer o da terra”; passaram a dormir em redes, tomaram de empréstimo aos índios instrumentos de caça e pesca, bem como a maneira de cultivar a terra (queimada); adaptaram a casa, agora com a varanda voltada para for a; adaptaram a utilização da mão-de-obra negra que já ocorria na Madeira para o Novo Mundo (p. 16)

[CIVILIZAÇÃO AGRÍCOLA?] – “Aos portugueses e, em menor grau, aos castelhanos, coube sem dúvida, a primazia no emprego do regime que iria servir de modelo à exploração fundiária e monocultora adotada depois por outros povos.” (…) A abundância de terras férteis e ainda mal desbravadas fez com que a grande propriedade rural se tornasse, aqui, a verdadeira unidade de produção. E verificou-se, frustradas as primeiras tentativas de emprego do braço indígena, que o recurso mais fácil estaria na introdução de escravos africanos.” (p. 17)
– “A verdade é que a grande lavoura, conforme se praticou e ainda se pratica no Brasil, participa, por sua natureza perdulária, quase tanto da mineração quanto da agricultura. Sem braço escravo e terra farta, terra para gastar e arruinar, não para proteger ciosamente, ela seria irrealizável.” (p.18)
– “O que o portugês vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais preciosos. Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para os mercados europeus, compensavam abundantemente o esforço – efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros – mas era preciso que fosse muito simplificado, restringindo-se ao estrito necessário às diferentes operações.” (p. 18)
– “Quando lamentamos que a lavoura, no Brasil, tenha permanecido tão longamente aferrada a concepções rotineiras, sem progressos técnicos que elevassem o nível da produção, é preciso não esquecer semelhantes fatores.” ; somados à resistência de uma natureza diferente da européia. (p.19)
– “O princípio que, desde os tempos mais remotos da civilização, norteara a criação da riqueza no país, não cessou de valer um só momento para a produção agrária. Todos queriam extrair do solo excessivos benefícios sem grandes sacrifícios. Ou, como já dizia o mais antigo dos nossos historiadores, queriam servir-se da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, ‘só para a desfrutarem e a deixarem destruída’.” (p. 21)

[CARÊNCIA DE ORGULHO RACIAL] – “Entre nós, o domínio europeu foi, em geral, brando e mole, menos obediente a regras e dispositivos do que à lei da natureza. A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais e morais.” (p. 22)
– “A isso cumpre acrescentar outra face bem típica de sua extraordinária plasticidade social: a ausência completa, ou praticamente completa, entre eles, de qualquer orgulho de raça.” (p. 22)
– “explica-se muito pelo fato de serem os portugueses, em parte, e já no tempo do descobrimento do Brasil, um povo de mestiços.” (p. 22)
– “Neste caso o Brasil não foi teatro de nenhuma grande novidade. A mistura com gente de cor tinha começado amplamente na propria metropole. Já antes de 1500, graças ao trabalho de pretos trazidos das possessões ultramarinas, for a possível, no reino, estender a porção do solo cultivado, desbravar matos, dessangrar pântanos e transformar charnecas em lavouras, com o que se abriu passo à fundação de povoados novos.” (p. 22)
– Na Lisboa de meados do século XVI, os escravos representavam 1/5 da população. (p. 23)

[O LABÉU ASSOCIADO AOS TRABALHOS VIS] – “É preciso convir em que tais liberalidades não constituíam lei geral; de qualquer modo, o exclusivismo ‘racista’, como se diria hoje, nunca chegou a ser, aparentemente, o fator determinante das medidas que visavam reservar a brancos puros o exercício de determinados empregos. Muito mais decisivo do que semelhante exclusivismo teria sido o labéu tradicionalmente associado aos trabalhos vis a que obriga a escravidão e que não infamava apenas quem os praticava, mas igualmente seus descendentes.” (p. 25)
– “Também não seria outra a verdadeira explicação para o fato de se considerarem aptos, muitas vezes, os gentios da terra e os mamelucos, a ofícios de que os pretos e mulatos ficavam legalmente excluídos.” (p. 25)

[ORGANIZAÇÃO DO ARTESANATO; SUA RELATIVA DEBILIDADE NA AMÉRICA PORTUGUESA] – Fatores de enfraquecimento: hipertrofia do latifúndio, sem esforço de cooperação com as demais atividades produtivas; preponderância do trabalho escravo (especificamente dos negros de ganho); indústria caseira dos ricos; escassez de artesãos livres em vilas e cidades; espírito de aventura, avesso à dedicação exigida para o desenvolvimento de um ofício. (pp. 26-29)

[INCAPACIDADE DE LIVRE E DURADOURA ASSOCIAÇÃO] – “O que sobretudo nos faltou para o bom êxito desta e de tantas outras formas de labor produtivo foi, seguramente, uma capacidade de livre e duradoura associação entre os elementos empreendedores do país.” (p. 29)
– “Em sociedades de origens tão nitidamente personalistas como a nossa, é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica entre indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As agregações e relações pessoais, embora por vezes precárias e, de outro lado, as lutas entre facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um todo incoerente e amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente.” (pp. 30-31)

[A ‘MORAL DAS SENZALAS’ E SUA INFLUÊNCIA] – “À influência dos negros, não apenas como negros, mas ainda, e sobretudo como escravos, essa população não tinha como oferecer obstáculos sérios. Uma suavidade dengosa e açucarada invade, desde cedo, todas as esferas da vida colonial. Nos próprios domínios da arte e da literature ela encontra meios de exprimir-se, principalmente a partir do Setecentos e do Rococó. O gosto do exótico, da sensualidade brejeira, do chichisbeísmo [galanteios exagerados], dos caprichos sentimentais, parecem fornecer-lhe um providencial terreno de eleição, e permitem que atravessando o oceano, vá exibir-se em Lisboa, com os lundus e modinhas do mulato Caldas Barbosa:

Nós lá no Brasil
A nossa ternura
A açúcar nos sabe,
Tem muita doçura.
Oh! se tem! Tem.
Tem um mel mui saboroso
É bem bom, é bem gostoso
……………………………
Ah nhanhã, venha escutar
Amor puro e verdadeiro,
Com preguiçosa doçura,
Que é Amor de Brasileiro.

Sinuosa até na violência, negadora de virtudes sociais, contemporizadora e narcotizante de qualquer energia realmente produtiva, a ‘moral das senzalas’ veio a imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas dos homens do tempo. A propria criação do mundo teria sido entendida por eles como uma espécie de abandono, de enlanguescimento de Deus.” (p. 31)

[MALOGRO DA EXPERIÊNCIA HOLANDESA] – Ele nega, já no início do capítulo (p.13), a ideia de que a colonização holandesa teria sido melhor para o país. Com os seguintes argumentos: tinham a mentalidade do “trabalhador”, mas os homens que enviavam eram “aventureiros”. Suas várias experiências coloniais na América do séc. XVII fracassaram. Desenvolveram enormemente as cidades, mas não conseguiram se implantar na vida rural. Não tinha a plasticidade dos portugueses para se misturar com outros povos, seus costumes e linguagens. Sua religião e sua língua eram mais duras e difíceis de adotar pelos indígenas. Conclui: “O esforço dos colonizadores batavos limitou-se a erigir uma grandeza de fachada, que só aos incautos podia mascarar a verdadeira, a dura realidade econômica em que se debatiam.” (p.34)

Versus os portugueses:

“A essas inestimáveis vantagens acrescente-se ainda, em favor dos portugueses, a já aludida ausência, neles, de qualquer orgulho de raça. Em resultado de tudo isso, a mestiçagem que representou, certamente, notável element de fixação ao meio tropical, não constituiu, na América Portuguesa, fenômeno esporádico, mas, ao contrário, processo normal. Foi, em parte, graças a esse processo que eles puderam, sem esforço sobre-humano, construir uma pátria nova longe da sua.” (p. 36)

Fonte: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. 16.ed.