“Sentar praça na Marinha de Guerra era verdadeiro castigo. A paga era péssima, a comida má, o trabalho pesado. A disciplina despótica lançava mão de todo espécie de castigos físicos. Não se estranha que na Esquadra os voluntários – que deveriam suprir, segundo a Constituição republicana, as necessidades do Exército e da Marinha – fossem verdadeiras raridades. Segundo o parágrafo 4o do artigo 87 da Carta Magna, ‘O Exército e a Armada’ constituir-se-iam ‘pelo voluntariado sem prêmio’ e, só na insuficiência deste, ‘pelo sorteio previamente organizado’.
Na realidade, os quadros subalternos da Armada eram preenchidos, na maioria das vezes semi forçadamente, pelos setores mais desprotegidos da população. Os pequenos delinquentes, os desempregados, os filhos tidos como rebeldes, os quase miseráveis, eram canalizados para os barcos de guerra. Se ainda existissem claros nas fileiras, realizava-se o ‘sorteio’. Não é necessário dizer que o ‘destino’ apontava sempre aos sem relações ou posses. As escolas de aprendizes de marinheiros não eram, também, exceções. Era a polícia a encarregada de provê-las de alunos. Nestas condições, explica-se que 80% da maruja fosse, em 1910, composta de homens negros e mulatos. Era o povo negro – ontem como hoje – o setor mais pauperizado do universo brasileiro.
Uma vez nas fileiras da Marinha, iniciava-se verdadeiro suplício. O trabalho estafante, a paga e a comida insuficientes, uma vida sem diversões livres, tudo pesava sobre o cotidiano do marinheiro, sem perspectivas de alívio. Depois de arrolado, não se podia dar baixa antes de 15 anos ! Não era permitido, também, casar-se. Mais angustiante, ainda, eram os castigos servis e a disciplina despótica.”
MAESTRI Filho,Mário. 1910: a revolta dos marinheiros. São Paulo: Global, 1986. pp. 22-23.