MIRE E VEJA
RENAUD E ARMIDE (1625),Nicolas Poussin (1594-1665)
Óleo sobre tela, 80 x 107 cm, Dulwich Picture Gallery (Londres)
Em uma cena retirada da literatura, temos o soldado cruzado Renaud adormecido ao pé de uma árvore, com sua espada ao lado, a mão esquerda sobre seu escudo e a direita sobre sua cabeça. Ajoelhada diante dele, a feiticeira sarracena Armide, chega disposta a matá-lo, brandindo um punhal na mão direita. em pleno furor assassino. Um cupido de dedos gordinhos e expressão preocupada segura o braço que prepara o golpe. Mas por outro lado, o braço esquerdo de Armide pende suavemente, sua mão cobrindo sem tocar a mão que Renaud tem junto a seus cabelos encaracolados. A expressão terna do seu rosto, seus lábios entreabertos, mostram que Armide foi tomada de paixão pelo antes inimigo.
Poussin usa a natureza para simbolizar as passagens. Acima do corpo da feiticeira há uma árvore, que marca a fronteira que ela está prestes a cruzar, assinala o processo de metamorfose que ela irá sofrer. A árvore debaixo da qual dorme o cruzado, por sua vez, se bifurca, exemplificando as duas possibilidades postas diante dela: matar ou amar. O céu também está dividido. Do lado esquerdo temos uma montanha austera e um céu sombrio, contrastando com o céu azul mais à direita.
Nicolas Poussin foi um pintor francês que viveu quase a vida inteira na Itália e é conhecido por sua erudição e por sua investigação acerca do homem e da história. Por sua disposição para estudar, pesquisar e refletir era chamado de “pintor filósofo”. O antropólogo Claude-Lévi Strauss, grande admirador da obra de Poussin, lembra que o pintor gostava de utilizar uma técnica antiga, caída em desuso na sua época: fazer estatuetas de cera, vestidas com papel úmido ou tafetá fino, testando também a iluminação e o posicionamento das peças. Só depois disso é que pintava. Lévi-Strauss comenta: “Suas figuras parecem menos pintadas sobre a superfície da tela do que esculpidas em sua improvável espessura.” Seja lá como for, as personagens pintadas por ele, como neste Renaud e Armide, têm enorme força expressiva.