MIRE E VEJA
UM DIVERTIMENTO ELEITORAL (1754-1755), William Hogarth (1697-1764)
Óleo sobre tela, 102 x 127 cm (London, Sir John Soane’s Museum)
William Hogarth era um pintor, gravurista e principalmente um satírico que criticava com muita ironia os costumes da época. Criativo, é considerado o inventor do desenho sequencial, antepassado das histórias em quadrinhos. Já com 23 anos ele faz uma gravura sobre a quebra da Companhia dos Mares do Sul, que arruinou muitas pessoas que acreditaram numa empresa meramente especulativa. Ele representa uma espécie de roda gigante onde pessoas inocentes iam entrando enquanto embaixo os espertos enriqueciam.
Na imagem de hoje, “Um divertimento eleitoral”, temos a representação de um jantar numa taverna, oferecido por candidatos ao Parlamento. No século XVIII a Inglaterra já era uma monarquia parlamentarista, mas a democracia ainda estava na sua infância. Somente proprietários de terras podiam votar ou ser eleitos, o que em 1754 era cerca de 16 mil pessoas. Mas os cargos poderiam ser comprados, o que ocorria com frequência. Também os votos dos parlamentares eram muitas vezes comprados. As campanhas eleitorais eram caras e não havia pagamento pelo exercício do cargo.
Hogarth representa muito bem esse caos político neste jantar numa taverna no Condado de Oxford, onde as eleições não eram tão frequentes quanto em Londres. Aqui está acontecendo uma reunião de simpatizantes do Partido Trabalhista, como o prova a bandeira à esquerda do quadro com o lema do partido: “Liberdade e Lealdade”.
Do lado direito do quadro, literalmente caindo para trás, o homem de vermelho representa um dignatário local, que bebeu literalmente até cair. À esquerda dele, um homem com um porrete tem seu ferimento na cabeça cuidado por outro homem, que lhe despeja o “álcool dos pobres”, ou seja, gim. As eleições eram eventos violentos e valentões eram contratados por ambos os partidos.
Da janela ao fundo, chovem pedras vindas de uma manifestação de simpatizantes do Partido Conservador, já que aquela era uma reunião do Partido Trabalhista. De dentro, um trabalhista responde despejando urina na cabeça dos adversários. Do outro lado da janela, outro trabalhista se prepara para arremessar uma banqueta. À esquerda da janela, temos três músicos alegrando a festa. Acima da mulher tocando o violino, temos um retrato do rei, danificado como forma de protesto o que naquele momento já era aceito.
À extrema esquerda, abaixo, temos os dois candidatos ao Parlamento sendo importunados por pessoas do povo. Mais ao fundo, com uma peruca mais escura, um candidato mais velho é abraçado por um homem com uma doença e cujo cachimbo joga fumaça bem no rosto do futuro parlamentar. Mais abaixo, um candidato bem jovem é igualmente perturbado. Há um homem que distraído despeja o conteúdo do seu cachimbo na cabeça do futuro político ou talvez esteja querendo tirar sua peruca. Ele é “amorosamente” abraçado por uma gorda e velha senhora, enquanto a linda criancinha mais abaixo está afanando seu anel. Resignadamente ele olha para nós, que contemplamos o quadro, como que dizendo: a que nós temos que nos submeter para nos elegermos.
Mas não é só isso, logo abaixo do candidato mais novo temos uma mesa com os presentes que seriam distribuídos para granjear apoio popular, que era importante mesmo que o proletariado não votasse, pois era uma massa crescente e mobilizável. Por exemplo: em 1790, os dois partidos opostos em Leicester decidiram pular a eleição e dividir as cadeiras do parlamento local entre eles. Quando o povo soube disso, invadiu a prefeitura e pilhou as casas dos mais ricos.