“Atendo-nos à primeira Caderneta: ao longo de uma falésia (que voltaremos a encontrar no sonho de Swann), sem dúvida perto de Cabourg, onde Proust volta a escrever, em 1908, o Narrador (ainda Proust ou já o herói do romance?) ultrapassa alguns caminhantes: ‘Aqui está Mamãe, mas ela é indiferente à minha vida, ela me diz bom-dia, sinto que não voltarei a vê-la por alguns meses. Compreenderá meu livro? Não. E no entanto a força do espírito não depende do corpo’. Ao contrário do primeiro sonho, a comunicação entre os dois não é mais possível, pois a mulher que se preocupava constantemente com a vida mais cotidiana e com todos os incidentes de saúde do filho está ‘indiferente à vida dele’. Ele não é mais amado, tornou-se filho de ninguém, aquela figurante está morta, ‘bem morta’, como um dia dirá o Narrador a respeito de Albertine: além de não se interessar mais por ele, ela não compreende sua obra, ou seja, a própria razão de sua vida – alguns dirão que ele escreve acima de tudo para a mãe, que Em busca do tempo perdido não passa de uma longa carta à mãe.”
TADIÉ, Jean-Yves. O lago desconhecido: Entre Proust e Freud. Porto Alegre: L&PM, 2017. página 23.