“Em Os prazeres e os dias, ‘Sonho’ evoca de maneira aparentemente inocente a paixão do Narrador por uma certa Dorothy B. , que oferece uma rosa perfumada ao herói. Os olhos da jovem revelam o ‘leve espasmo’ que precede o choro. O herói também verte lágrimas, que Dorothy, ‘dardejando a língua para fora da boca fresca’, a ‘cabeça inclinada’, vai colher em seus olhos. ‘Ela as engolia com um leve estalo nos lábios, que eu sentia como um beijo desconhecido, mais intimamente perturbador do que se me tocasse diretamente’. Trata-se, sem dúvida, e ninguém mais o mencionou, da mais completa descrição de um ato (homo) sexual feita por Proust. O deslocamento garante a inocência. O que permite esta interpretação é o fato de se tratar de um sonho, onde tudo pode ter caráter sexual.”
TADIÉ, Jean-Yves. O lago desconhecido: Entre Proust e Freud. Porto Alegre: L&PM, 2017. pp. 17-18.