“das três categorias de sonho distinguidas por Freud em Sobre os sonhos – sonhos claros e sensatos, onde nada nos surpreende ou espanta a imaginação, sonhos sensatos, mas inesperados, porque nada na realidade os justifica, e sonhos obscuros, incoerentes, absurdos -, são os últimos que mais interessam ao romancista. O absurdo é o signo do sonho; o insone se tranquiliza quando testemunha um raciocínio ‘em contradição formal com as leis da lógica e a evidência do presente’: ‘Um grande passo já foi dado quando viramos as costas ao real’. Há nisso, de fato, matéria para comentário, para desvelar algum sentido oculto sob a ausência de significado aparente. Mas justamente, e isso é o mais extraordinário, Proust, tão ávido por explicações, não oferece uma sequer. Diante dos detalhes mais incongruentes, aqueles que sempre o detêm quando se trata de comportamentos despertos, ele se esquiva. Tudo é deixado para a nossa interpretação.”
TADIÉ, Jean-Yves. O lago desconhecido: Entre Proust e Freud. Porto Alegre: L&PM, 2017. páginas 18-19.