ESTUDOS PROUSTIANOS – “Toda interpretação sintética de Proust deve partir necessariamente do sonho”
“Toda interpretação sintética de Proust deve partir necessariamente do sonho. Portas imperceptíveis a ele conduzem. É nele que se enraiza o esforço frenético de Proust, seu culto apaixonado da semelhança. Os verdadeiros signos em que se descobre o domínio da semelhança, não estão onde ele os descobre, de modo sempre desconcertante e inesperado, nas obras, nas fisionomias ou nas maneiras de falar. A semelhança entre dois seres, a que estamos habituados e com que nos confrontamos em estado de vigília, é apenas um reflexo impreciso da semelhança mais profunda que reina no mundo dos sonhos, em que os acontecimentos não são nunca idênticos, mas semelhantes, impenetravelmente semelhantes entre si. As crianças conhecem um indício desse mundo, a meia, que tem a estrutura do mundo dos sonhos, quando está enrolada, na gaveta de roupas, e é ao mesmo tempo ‘bolsa’ e ‘conteúdo’. E assim como as crianças não se cansam de transformar, num só gesto, a bolsa e o que está dentro dela, numa terceira coisa – a meia – também Proust não se cansava de esvaziar com um só gesto o manequim, o Eu, para evocar sempre de novo o terceiro elemento: a imagem, que saciava sua curiosidade ou sua nostalgia.”
Walter Benjamin, “A imagem de Proust” In: Obras escolhidas – volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987. 3. ed. pp. 39-40.