/José Guilherme MERQUIOR – Um liberal critica o neoliberalismo

José Guilherme MERQUIOR – Um liberal critica o neoliberalismo

MERQUIOR, J. G. (1983). O argumento liberal. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

Artigo “O argumento liberal”, pp. 87-98.

Definição:

94: “Qual seria a terceira fase da ideologia liberal ? Nesses últimos anos, a voga do antikeynesianismo e a viragem direitista na política anglo-saxônica deram novo lustre ao neoliberalismo. Seu maior profeta, o austro-inglês F.A. Hayek, propõe um verdadeiro desmantelamento do social-liberalismo, um retorno em regra ao estado mínimo e à convicção de que o progresso deriva automaticamente de uma soma não-planejada de iniciativas individuais. Quietismo governamental no plano econômico e simples legalismo no plano político-social. Pois a lei, para Hayek, se caracteriza por sua neutra generalidade, equivalente à ausência de coerção social no sentido de uma opressão de classe. No entanto, observa Aron, muitas vezes a generalização da lei não elimina seu aspecto eventualmente impositivo, do ponto de vista de dados grupos sociais, para os quais, em certas circunstâncias, a norma legal pode ser um poder ilegítimo. Afinal, as leis, por mais gerais que se entendam, exprimem com frequência interesses particulares.

Limites:

“Uma coisa é certa: a utopia liberal-conservadora de um puro e simples reino da legalidade dificilmente atenderá aos impulsos democratizantes das sociedades industriais de modelo liberal – e satisfará menos ainda às exigências sociais de países, como o Brasil, onde a ‘síntese democrático-liberal’ permanece incompleta. O neoliberalismo só confia no jogo do mercado. Mas nós sabemos que o mercado, conquanto seja instrumento indubitavelmente necessário da criação da riqueza e do desenvolvimento econômico intensivo, nem por isso constitui uma condição suficiente da liberdade moderna, porque não é capaz de gerar, por si só, toda uma série de oportunidades para o exercício mais pleno e mais significativo da

95: individualidade de muitos. Se suprimir o mercado é ferir de morte o substrato material das liberdades modernas, deixar tudo entregue a seu império é restringir significativamente o livre gozo destas mesmas liberdades a minorias – e a minorias compostas de privilegiados pelo berço, e não só pelo mérito.

Do neoliberalismo como retrocesso ao paleoliberalismo*:

“O neoliberalismo é, portanto, essencialmente, a reprise do paleoliberalismo; e como verificamos as deficiências deste último em matéria de visão histórica e consciência social, parece inevitável preferir, ao retrocesso neoliberal, uma retomada criadora do social-liberalismo.”

* Ver pp. 89-90: sua maior qualidade (B.Constant) é a questão da liberdade civil e dos limites que devem ser estabelecidos ao poder; sua maior falha: ser cego à dimensão do estado: “Nem Constant nem Spencer souberam ver o que viu Tocqueville: que o crescimento da liberdade civil foi acompanhado, e na realidade pressupôs, uma tremenda expansão da regulamentação da sociedade pela lei, isto é, pelo estado enquanto foco emissor de direito. O robustecimento da sociedade civil não ocorreu contra o estado e sim sob a sua égide.” O erro estaria em confundir a superação do militarismo pelo industrialismo com o perecimento do estado.