/O marinheiro Marcelino é chicoteado – Revolta da Chibata

O marinheiro Marcelino é chicoteado – Revolta da Chibata

“Era 16 de novembro de 1910. Escutado o toque de ‘mostra geral’ das cornetas e tambores do encouraçado Minas Gerais atracado na baía de Guanabara, a guarnição forma-se no convés do gigantesco navio. Os marujos vestem fardas de cerimônia, os oficiais, em segundo uniforme, portam luvas e espadas. Aparece o oficial comandante João Batista das Neves. Toca-se sentido. Ele é saudado como de praxe. O cerimonial parece falar de dia de festa na bela nave da esquadra brasileira. Não se trata disso. Mas sim do castigo do marinheiro baiano Marcelino Rodrigues Menezes, condenado a 250 chibatadas.

A cerimônia continua. O comandante Batista das Neves manda ler a parte do regulamento da ‘Companhia Correcional’ que permitia, 22 anos depois da Abolição, o açoite na Esquadra. A seguir, declama-se a falta de Marcelino, registrada no ‘livro de castigos’ do Minas Gerais. Ele tinha ferido com uma navalha de barbear, levemente, o cabo Valdemar Rodrigues de Souza, na madrugada do dia 11 de novembro. Este havia denunciado Marcelino a um oficial, quando procurava introduzir a bordo duas garrafas da ‘nacional’. O cabo era um protegido da oficialidade. Terminada a leitura, o comandante Batista das Neves, tido como furibundo chibateador, avança e faz breve oração. Fala de ordem, disciplina, hierarquia. Um médico examina Marcelino. Está apto para o suplício. Diante do marinheiro amarrado pelas mãos e pés: o algoz. Inicia-se o castigo.”

(…)

“Caem os primeiros golpes. A tripulação do navio sente em suas costas cada chicotada. Isto é inaceitável! É como se um grito surdo percorresse de ponta a ponta as fileiras daqueles marinheiros, homens negros na sua quase totalidade. Eram tratados como seus pais ! Como escravos ! Isto ia ter fim! Marcelino desmaia. Desperta. O castigo continua. Alguns oficiais desviam os olhos da cena macabra. A maruja, dilacerada, assiste o castigo até o último golpe.”

MAESTRI Filho,Mário. 1910: a revolta dos marinheiros. São Paulo: Global, 1986. páginas 21-22.