A presença inexorável da subjetividade na narrativa oral – “recordar e contar já é interpretar”
“O principal paradoxo da história oral e das memórias é, de fato, que as fontes são pessoas, não documentos, e que nenhuma pessoa, quer decida escrever sua própria autobiografia (como é o caso de Frederick Douglass), quer concorde em responder a uma entrevista, aceita reduzir a sua própria vida a um conjunto de fatos que possam estar à disposição da filosofia de outros (nem seria capaz de fazê-lo, mesmo que o quisesse). Pois, não só a filosofia vai implícita nos fatos, mas a motivação para narrar consiste precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e contar já é interpretar. A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e atribuem o significado à própria experiência e à própria identidade, constitui por si mesmo o argumento, o fim mesmo do discurso. Excluir ou exorcizar a subjetividade como se fosse somente uma fastidiosa interferência na objetividade factual do testemunho quer dizer, em última instância, torcer o significado próprio dos fatos narrados.”
PORTELLI, Alessandro. “A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais”. Tempo 2, Revista do Departamento de História, Rio de Janeiro, dez. 1996. pp. 60-61