/ESTUDOS PROUSTIANOS – O porquê de nos interessarmos pelas aventuras passivas de um anti-herói

ESTUDOS PROUSTIANOS – O porquê de nos interessarmos pelas aventuras passivas de um anti-herói

“Nós mesmos, se nos interessamos tanto por uma ação quase nula, pelas aventuras passivas de um anti-herói acamado, é porque nelas encontramos nosso temor e nossa espera, porque esperamos e tememos por procuração a vinda dos queridos fantasmas desaparecidos. E a noite permite sonhar: ‘É preciso dizer que, se a resistência fosse à noite aquilo que ela é de dia, o sonho nunca se produziria’, disse Freud em A interpretação dos sonhos. A censura é diminuída e contornada quando a mente adormece: como disse Goya, o sono da razão produz monstros. É disso que Proust sofre depois da morte da mãe, como ele escreve à sra. Straus e a Robert de Montesquiou. A inteligência não está mais lá para protegê-lo, ele não tem defesas contra os pensamentos, as imagens mais terríveis, ‘as impressões mais atrozes’. O que Proust descobre então, às próprias custas, é a suspensão da resistência racional no sonho, que ele havia entrevisto em Jean Santeuil, pois ‘estamos acostumados, à noite, a dar um pouco de nosso pensamento ao impossível, ao proibido.”
TADIÉ, Jean-Yves. O lago desconhecido: Entre Proust e Freud. Porto Alegre: L&PM, 2017. p. 16