/RESUMO do Capítulo 3 de Raízes do Brasil

RESUMO do Capítulo 3 de Raízes do Brasil

AULA 07 – LENDO A HISTÓRIA DO BRASIL – Prof. Marcos Alvito – 13/08/18

Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda – trechos importantes

Capítulo III: Herança rural (coloquei alguns conceitos em negrito; entre colchetes estão os subtítulos que o próprio autor deu)

[A ABOLIÇÃO: MARCO DIVISÓRIO ENTRE DUAS ÉPOCAS]

– “Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos.” E estas condições nos governaram “até muito depois de proclamada a nossa independência política e cujos reflexos não se apagaram ainda hoje.” (p. 41)

– Uma “civilização de raízes rurais”: “É efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida da colônia se concentra durante os séculos iniciais da ocupação européia: as cidades são virtualmente, se não de fato, simples dependência delas. Com pouco exagero pode dizer-se que tal situação não se modificou essencialmente até a Abolição. 1888 representa o marco divisório entre duas épocas; em nossa evolução nacional, essa data assume significado singular e incomparável.” (p.41)

– “Na Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram filhos de fazendeiros, educados nas profissões liberais, quem monopolizava a política” (p. 41)

– Mesmo os movimentos liberais ou progressos materiais contrários ao status quo foram liderados por membros desta classe. (pp. 41-42)

– A febre de reformas econômicas que se passa após 1850, com a proibição do tráfico negreiro: em 1851 constituição regular de sociedades anônimas, fundação do segundo Banco do Brasil; em 1852 primeira linha telegráfica no Rio de Janeiro; 1854: primeira Estrada de ferro do país, 14,5 km entre o porto de Mauá e a estação do Fragoso; início da construção da 2a. E.F. ligando a Corte a S.Paulo em 1855. (p.42)

– “a riqueza oriunda dos novos tipos de especulação provocados por esses meios tendia a ampliar-se, não só à margem, mas também e sobretudo à custa das tradicionais atividades agrícolas. Pode-se mesmo dizer que o caminho aberto por semelhantes transformações só poderia levar logicamente a uma liquidação mais ou menos rápida de nossa velha herança rural e colonial, ou seja da riqueza que se funda no emprego do braço escravo e na exploração extensive e perdulária das terras de lavoura.” (p. 42)

– Foi a supressão do tráfico negreiro que estimulou este processo que não ocorreu sem fortes resistências, fortalecidas pela revolta contra a dureza da repressão inglesa, que chegou a aprisionar navios mesmo em portos brasileiros, o que desperta o sentiment patriótico (pp. 42-43)

– Não faltavam também os eternos defensores do status quo, sempre “temerosos do futuro incerto e insondável”, os quais achavam que: “em país novo e mal povoado como o Brasil, a importação de negros, por mais algum tempo, seria, na pior hipótese, um mal inevitável, em todo o caso diminuto, se comparado à miséria geral que a carência de mão-de-obra poderia produzir.” (p. 43)
– Por outro lado, como os grandes traficantes de escravos eram portugueses, isto mobilizava o nativismo lusófobo contra a continuação da importação de escravos. (p. 43)

– Os traficantes haviam desenvolvido “um sistema apurado de sinais e avisos costeiros”, bem como subvenções a jornais, suborno de funcionários, perseguição política ou policial aos adversários, acreditando que assim poderiam continuar com suas atividades. Havia o golpe da quarentena do navio, por exemplo. (p. 43)

– A Lei Eusébio de Queirós, em 1850, somada à intensificação da repressão inglesa, levou a uma queda súbita no número de escravos importados anualmente: de 60 mil em 1848 e 54 mil em 1849, para 23 mil em 1850, 3.287 em 1851 e 700 em 1852. (p. 44)

– “Essa extinção de um comércio que constituíra a origem de algumas das maiores e mais sólidas fortunas brasileiras do tempo, deveria forçosamente deixar em disponibilidade os capitais até então comprometidos na importação de negros.” A propria segunda fundação do BB em 1851 estaria ligada a isso. (p. 44)

– “Pode-se assim dizer que, das cinzas do tráfico negreiro, iria surgir uma era de aparato sem precedentes em nossa história commercial. O termômetro dessa transformação súbita pode ser fornecido pelas cifras relativas ao comércio exterior do Império.” Há um enorme crescimento das importações e, em menor escala, das exportações. (pp. 44-45)

– “A ânsia de enriquecimento, favorecida pelas excessivas facilidades de crédito, contaminou logo todas as classes e foi uma das características notáveis desse período de ‘prosperidade’. O fato constituía singular novidade em terra onde a posse ideia de propriedade ainda estava intimamente vinculada à da posse de bens mais concretos, e ao mesmo tempo, menos impessoais do que um bilhete de banco ou uma ação de companhia.” (p. 45)

– “Ao otimismo infrene daqueles que, sob o regime da ilimitada liberdade de crédito, alcançavam riquezas rápidas, correspondia a perplexidade e o descontentamento dos outros, mais duramente atingidos pelas consequências da cessação do tráfico.” (p. 45)

– “A propria instabilidade das novas fortunas, que ao menor vento contrário se desfaziam, vinha dar boas razões a esses nostálgicos do Brasil rural e patriarchal. Eram dois mundos distintos que se hostilizavam com rancor crescent, duas mentalidades que se opunham como ao racional se opõe o tradicional, ao abstrato o corpóreo e o sensível, o citadino e cosmopolita ao regional ou paroquial.” (p. 46)

– “(…) a obra começada em 1850 só se completará efetivamente em 1888. (…) Enquanto perdurassem intactos e, apesar de tudo, poderosos, os padrões econômicos e sociais herdados da era colonial e expressos principalmente na grande lavoura servida pelo braço escravo, as transformações mais ousadas teriam de ser superficiais e artificiosas.” (p. 46)

[INCOMPATIBILIDADE DO TRABALHO ESCRAVO COM A CIVILIZAÇÃO BURGUESA E O CAPITALISMO MODERNO. DA LEI EUSÉBIO À CRISE DE 64. O CASO DE MAUÁ]

– A tremenda crise commercial de 1864 “foi o desfecho normal de uma situação rigorosamente insustentável nascida da ambição de vestir um país ainda preso à economia escravocrata, com os trajes modernos de uma grande democracia burguesa.” (p. 46)

– O fracasso commercial de Mauá “também é um indício eloquente da radical incompatibilidade entre as formas de vida copiadas de nações socialmente mais avançadas, de um lado, e o patriarcalismo e personalismo fixados entre nós por uma tradição de origens seculares.” (pp. 46-47)

[PATRIARCALISMO E ESPÍRITO DE FACÇÃO]

– A concepção que imperava de partido politico: “Segundo tal concepção as facções são constituídas à semelhança das famílias de estilo patriarcal, onde os vínculos biológicos e afetivos que unem ao chefe os descendentes, colaterais e afins, além da famulagem e dos agregados de toda sorte, hão de prepondera sobre as demais considerações. Formam, assim, como um todo indivisível, cujos membros se acham associados, uns aos outros, por sentimentos e deveres, nunca por interesses ou ideias.” (p. 47)

– “À origem desse espírito de facção podem distinguir-se as mesmas virtudes ou pretensões aristocráticas que foram tradicionalmente o apanágio de nosso patriciado rural. (…) Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria replica. Tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, bastava a si mesmo.” Tinha capela, escola, produzia a alimentaçã, os móveis e instrumentos. (p. 48)

– Esta autonomia das propriedades rurais, cujos proprietários se vangloriavam de só precisarem comprar ferro, sal, pólvora e chumbo, enfraquecia o comércio existente nas cidades. (p. 49)

– A organização familiar era próxima da tradição romana que perdurou na Península Ibérica, com o pater familias à frente de tudo e com autoridade absoluta sobre: propriedade, escravos, agregados e núcleo familiar. (p. 49)

– “Dos vários setores de nossa sociedade colonial, foi sem dúvida a esfera da vida doméstica aquela onde o princípio de autoridade menos acessível se mostrou às forças corrosivas que de todos os lados o atacavam. Sempre imerso em si mesmo, não tolerando nenhuma pressão de for a, o grupo familiar mantém-se imune de qualquer restrição ou abalo. Em seu recatado isolamento pode desprezar qualquer princípio superior que procure perturbá-lo ou oprimi-lo.” (p. 49)

– “Nesse ambiente, o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para sua tirania. Não são raros oscasos como o de um Bernardo Vieira de Melo, que suspeitando a nora de adultério, condena-a à morte em conselho de família e manda executar a sentença, sem que a justiça dê um único passo no sentido de impedir o homicídio ou de castigar o culpado, a despeito de toda a publicidade que se deu ao caso.” (pp. 49-50)

– “O quadro familiar torna-se, assim, tão poderoso e exigente, que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, a entidade pública. (…) a família colonial fornecia a ideia mais normal do poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens. O resultado era predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família.” (p. 50)

[CAUSAS DA POSIÇÃO SUPREMA CONFERIDA ÀS VIRTUDES DA IMAGINAÇÃO E DA INTELIGÊNCIA]

– Como mesmo as ocupações tipicamente citadinas (atividade política, burocracia e profissões liberais) vieram a ser exercidas primeiramente, pelos senhores de terras e seus filhos, eles carregaram consigo a mentalidade, os preconceitos e “o teor de vida” da sua condição primeira. (p. 50)

– “Não parece absurdo relacionar a tal circunstância um traço constante da nossa vida social: a posição suprema que nela detêm, de ordinário, certas qualidades de imaginação e ‘inteligência’, em prejuízo das manifestações do espírito prático ou positivo.” Este prestígio do ‘talento’ “provém sem dúvida do maior decoro que parece conferir a qualquer indivíduo o simples exercício da inteligência, em contraste com as atividades que requerem algum esforço físico.” (p. 50)

– “O trabalho mental, que não suja as mãos e não fatiga o corpo, pode constituir, com efeito, ocupação em todos os sentidos digna de antigos senhores de escravos e dos seus herdeiros. Não significa forçosamente, neste caso, amora o pensamento especulativo, – a verdade é que, embora presumindo o contrário, dedicamos, de modo geral, pouca estima às especulações intelectuais – mas amor à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. É que para bem corresponder ao papel que, mesmo sem o saber, lhe conferimos, a inteligência há de ser ornamento e prenda, não instrumento de conhecimento e ação.” (pp. 50-51)

– “Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes senhoriais ainda merecem largo crédito, as qualidades do espírito substituem, não raro, os títulos honoríficos, e alguns de seus distintivos materiais, como o anel de grau e a carta de bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza.” (p.51)

[CAIRU E SUAS IDEIAS]

– Mesmo Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu, “grande agitador de novas ideias econômicas” não ficou imune a esta valorização senhorial da inteligência em detrimento do trabalho. (p. 51)

– “Não lhe ocorre um só momento que a qualidade particular dessa tão admirada ‘inteligência’ é ser simplesmente decorativa, de que ela existe em função do próprio contraste com o trabalho físico, por conseguinte não pode suprimi-lo ou completá-lo finalmente, que corresponde, numa sociedade de coloração aristocrática e personalista à necessidade que sente cada indivíduo de se distinguir dos seus semelhantes por alguma virtude aparentemente congênita e intransferível, semelhante por esse lado à nobreza de sangue.” (p. 52)

– “Nada, com efeito, mais oposto ao sentido de todo o pensamento econômico oriundo da revolução industrial e orientado pelo emprego progressivo da máquina, do que essa primazia conferida a certos fatores subjetivos, irredutíveis a leis de mecânica e a termos de matemática. (…) A mais cabal expressão de semelhante tendência encontra-se, sem dúvida, nos atuais sistemas de organização racional do trabalho, como o taylorismo e a experiência de Ford, que levam às suas consequências extremas o ideal da complete despersonalização do trabalhador.” (p. 52)

– Também no que diz respeito às suas opiniões filosóficas, Cairu era conservador e ultrapassado, vendo a sociedade civil ou política como prolongamento da comunidade doméstica, vendo a nação como uma vasta família e o soberano como o pai: ‘Quanto mais o governo civil se aproxima a este caráter paternal – diz ainda – e forceja por realizer essa ficção generosa e filantrópica, tanto ele é mais justo e poderoso, sendo então a obediência a mais voluntária e cordial, e a satisfação dos povos a mais sincera e indefinida.’ (p. 53)

– Paternalismo rígido contrasta fortemente com os princípios que guiaram os homens que constituíram a república norte-americana, onde James Madison “sustentou a impotência dos motivos morais e religiosos na repressão das causas de dissídio entre os cidadãos, e apresentou como finalidade precípua dos governos – finalidade de onde resultaria certamente sua natureza essencial – a fiscalização e o ajuste de interesses econômicos divergentes” (pp. 53-54)

[DECORO ARISTOCRÁTICO] – “No Brasil, o decoro que corresponde ao Poder e às instituições de governo não parecia conciliável com a excessiva importância assim atribuída a apetites tão materiais, por isso mesmo subalternos e desprezíveis de acordo com as ideias mais geralmente aceitas. Era preciso, para se fazerem veneráveis, que as instituições fossem amparadas em princípios longamente consagrados pelo costume e pela opinião.” [LEMBRAM DO ALIENISTA? DO RESPEITO DO BARBEIRO PELAS INSTITUIÇÕES?] (p. 54)

– “Tradicionalistas e iconoclastas movem-se, em realidade, na mesma órbita de ideias. Estes, não menos do que aqueles, mostram-se fiéis preservadores do legado colonial, e as diferenças que os separam entre si são unicamente de forma e superfície.” Da o exemplo da revolução pernambuca de 1817, que embora tingida de ideias francesas não visava realmente transformar a sociedade, era apenas “uma reedição da luta secular do natural da terra contra o adventício, do senhor de engenho contra o mascate” (p. 54)

– “Esse caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas agitações ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à Independência, mostra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limites que à nossa vida política tinham traçado certas condições específicas geradas pela colonização portuguesa.” (p. 55)

– “Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes.” P.ex. carpinteiro que se vestia como fidalgo e tinha um escravo para carregar suas ferramentas (J. Luccock) (pp. 55-56)

– “Muitas das dificuldades observadas, desde velhos tempos, no funcionamento dos nossos serviços públicos, devem ser atribuídas, sem dúvida, às mesmas causas. Num país que, durante a maior parte de sua existência, foi terra de senhores e escravos, sem comércio que não andasse na mão de adventícios ambiciosos de riquezas e de enobrecimento, seria impossível encontrar uma classe media numerosa e apta a semelhantes serviços.” (p. 56)

[DITADURA DOS DOMÍNIOS AGRÍCOLAS]

– O padrão era o de utilizar a terra até esgotá-la, levando a frequentes deslocamentos dos núcleos de povamento rural. Isso enfraquecia os núcleos urbanos que eram deixados para trás, pois estes eram na verdade uma extensão do mundo rural, dependiam dele fortemente, a ponto do autor falar de uma “ditadura [gr. do autor] dos domínios rurais” (pp. 56-57)

– “As funções mais elevadas cabiam nelas, em realidade, aos senhores de terras. São comuns em nossa história colonial as queixas dos comerciantes, habitadores das cidades, contra o monopólio das poderosas câmaras municipais pelos lavradores.” Os lavradores tinham apoio da Corte de Lisboa, que considerava o título de senhor de engenho equivalente a um título de nobreza. (p. 58)

– “Não admira, assim, que fossem eles praticamente os únicos verdadeiros ‘cidadãos’ na colônia” (p. 58)

[CONTRASTE E PUJANÇA DAS TERRAS DA LAVOURA E A MESQUINHEZ DAS CIDADES NA ERA COLONIAL]

– “No Brasil colonial, entretanto, as terras dedicadas à lavoura eram a morada habitual dos grandes. Só afluíam eles aos centros urbanos a fim de assistirem aos festejos e solenidades. Nas cidades apenas residiam alguns funcionários da administração, oficiais mecânicos e mercadores em geral. (…) Na Bahia, o centro administrative do país durante a maior parte do período colonial, informa-nos Capistrano de Abreu que as casas, fechadas quase todo o ano, só se enchiam com as festas públicas” (p. 58)

– “já no terceiro [século da colonização, i.e. o séc. XVIII], a vida urbana parece adquirir mais caráter, com a prosperidade dos comerciantes reinóis, instalados nas cidades. Em 1711, Antonil declarava que ter os filhos sempre no engenho era ‘criá-los tabaréus, que nas conversações não saberão falar de outra coisa mais do que do cão, do cavallo, e do boi. Deixá-los sós na cidade, é dar-lhes liberdade para se fazerem logo viciosos e encherem-se de vergonhosas doenças, que se não podem facilmente curar’” (p. 59)

– Mesmo assim a vida urbana era ainda muito pobre se comparada à pujança rural ainda no século XVIII, a crer numa descrição do Rio de Janeiro em 1767. (pp. 59-60)

– “O predomínio esmagador do ruralismo, segundo todas as aparências, foi antes um fenômeno típico do esforço dos nossos colonizadores do que uma imposição do meio.” (p. 60)