PEDRO E FLORA: UMA HISTÓRIA DE AMOR?
Capítulo 24: PARA CABRAS E APAIXONADOS
A moto desenhava um mapa no asfalto, Pedro foi deixando-se levar pela trajetória das duas rodas. Ainda não conseguia enfrentar as novas informações. Pediu que Bola o deixasse em casa. Tinha muito em que pensar. Agora entendia melhor o desaparecimento de Flora, embora não estivesse conformado. Eles sempre conversaram sobre tudo e se ela achava que não ter filhos seria uma barreira para o seu amor estava enganada. Ele sempre a apoiaria. O verdadeiro mistério era não ter contado a ele. Como Manuela dissera, há traumas tão profundos que demoram a emergir.
Pegou-se lembrando do início de tudo. O jogo do Botafogo, o golpe de radinho na cabeça, a mão dela pegando na dele para se desculpar, a primeira visão dos olhos negros. Depois voltaram juntos. A melhor maneira de ir ao Niltão era de trem e depois metrô. Bola e a amiga dela ficaram distantes. Ele e Flora começaram discutindo o esquema tático e daqui a pouco falavam de Drummond. Flora adorava “Nosso tempo”, a ideia dos “homens partidos”, de “gente cortada”, para ela não havia melhor definição do mundo em que viviam. Pedro gostava da melancolia do poeta, da sua acidez lírica e lúcida que em um poema disse procurar “apenas o vivo o pequenino, calado, indiferente \ e solitário vivo”.
Quando viram, estavam no Largo do Machado, destino de Flora. Ela desceu com a amiga, virou-se para olhá-lo. No último segundo, a porta fechando, ele conseguiu saltar do vagão. A acompanhou até em casa. De repente, não falavam mais. O som dos passos, as respirações contidas, os pensamentos em turbilhão, o momento único pairando no ar, tudo os atordoava. Antes de se despedirem e trocarem contatos, olharam-se um tempo como os dois últimos de uma espécie em extinção. Naqueles segundos havia a promessa de uma vida. Não tinham pressa. Não foi preciso selar o pacto com um beijo.
Marcaram uma caminhada de Laranjeiras até Santa Teresa, uma subida boa para cabras e apaixonados. Lá em cima, há um trecho dentro da floresta da Tijuca. Foi numa curva daquela estrada com trilhos de bonde, tendo o panorama da cidade e alguns pássaros vadios como testemunhas, que Pedro e Flora deram o primeiro beijo.