/ESTUDOS PROUSTIANOS – Em Proust não aparece o “apesar de tudo” porque nele foi íntima a simbiose entre essa criação determinada e esse sofrimento determinado

ESTUDOS PROUSTIANOS – Em Proust não aparece o “apesar de tudo” porque nele foi íntima a simbiose entre essa criação determinada e esse sofrimento determinado

A circunstância de que jamais haja irrompido em Proust aquele heróico ‘apesar de tudo’, com o qual os homens criadores se levantam contra o seu sofrimento, mostra com clareza como foi íntima a simbiose entre essa criação determinada e esse sofrimento determinado. Por outro lado, podemos dizer que uma cumplicidade tão funda com o curso do mundo e com a existência, como foi o caso de Proust, teria fatalmente conduzido a uma autocomplacência banal e indolente se sua base fosse outra que esse sofrimento intenso e incessante. Mas esse sofrimento estava destinado a encontrar seu lugar n e o grande processo da obra, graças a um furor sem desejos e sem remorsos. Pela segunda vez, ergueu-se um andaime como o de Miguel Ângelo, sobre o qual o artista, com a cabeça inclinada, pintava a criação do mundo no teto da capela Sistina: o leito de enfermo, no qual Marcel Proust cobriu com sua letra as incontáveis páginas que ele dedicou à criação do seu microcosmos.”
Walter Benjamin, “A imagem de Proust” In: Obras escolhidas – volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987. 3. ed. p. 48.