— Tragédia? Meu Deus, Ana, estou até com medo do que você vai me contar. Mas antes me diz uma coisa: como é que esse Saulo tinha tanto poder, por que ninguém o impedia?
— Era rico, ganhou o sítio dos pais. Aquilo era uma ilha da fantasia, a comunidade não vivia do seu trabalho, daquilo que plantava, o Saulo é que bancava tudo. Era o parque de diversões dele, um jeito de ter acesso a meninas e mulheres bem mais jovens. E ele não era bobo, para garantir o seu domínio contratou um xamã.
— Xamã, como assim?
— Havia um espaço coletivo chamado Casa União, redonda, toda de madeira, sem cadeiras, o chão coberto de almofadas. Todos os sábados no fim da tarde nos reuníamos para uma espécie de culto. Envolvia algumas rezas estranhas puxadas por esse xamã, que parecia ser um índio velho e falava um português estropiado. Mas o auge era a beberagem que todos tomavam e causava delírios e alucinações. Algumas pessoas sentiam uma onda boa, uma elevação, outras afundavam em pesadelos, gritavam, vomitavam…
— Não entendi como aquilo ajudava o Saulo.
— As pessoas que reagissem mal à beberagem eram consideradas como impuras e precisavam ser tratadas. Aí é que entrava o xamã: se reunia com a pessoa, dava conselhos, recomendava chás. Se fosse uma mulher que interessava ao Saulo ele dizia que ela devia procurá-lo, que era alguém experiente e bondoso e que saberia ajudá-la. Nos casos mais renitentes, usava a droga.
— Como assim?
— Dava remédios à moça que continham substâncias psicotrópicas, que viciam. E ela só podia conseguir a droga consultando-se com o xamã… E aceitando suas recomendações.
— E a Flora?
— De início ela nem queria participar, mas viu que era uma condição obrigatória. Ela tinha medo de entrar em transe e acabar revelando seus segredos. Tentava beber o mínimo possível, até disfarçava e cuspia. Mesmo assim…
— O que houve?
— Um dia ela ficou alterada, começou a gritar, caiu no chão se debatendo e por fim desmaiou.
— Desgraçados…
— Tenho certeza de que o xamã deu a ela uma mistura bem mais forte para produzir aquele efeito. Flora tinha resistido a tudo. Ele e Saulo haviam apelado ao último recurso. Só faltava executar o plano.