A cabeça de Pedro latejava. As questões de Flora iam aos poucos sendo reveladas mas ainda havia mistérios pendentes: quem a estuprara? O que ela fizera nos seis meses fora de casa? Por que voltou? Caroline, a terapeuta, dissera que as duas outras “leis” da Constelação familiar são o equilíbrio entre o dar e receber e o pertencimento. Ora, havia um desequilíbrio sério na relação com a mãe. Flora não era amada da mesma forma que o irmão. Isso sem dúvida motivara um sentimento de isolamento, de não pertencimento que poderia explicar a fuga de casa. Poderia haver outros fatores.
Ele se perguntava até que ponto se podia conhecer alguém. Morara com Flora por mais de um ano. Dormindo todas as noites a seu lado, acordando quinze minutos mais cedo para preparar o café do jeito que ela gostava, bem forte. Muitas vezes ele a acordava mais cedo também, quando seu corpo procurava o dela como um rio correndo para o mar. Era lindo vê-la acordar aos poucos, sentindo prazer ainda de olhos fechados. Durante o café da manhã Flora ainda demorava um pouco para conversar normalmente, enquanto ele já despertava a mil por hora. À noite era o contrário, ela acesa e ele com a bateria fraca. Cada dia era celebrado e desfrutado, ele nunca fora tão feliz. Agora descobrira uma outra Flora. Não estava decepcionado. Mas estava totalmente surpreso de que ela pudesse ter negado a ele o conhecimento do seu passado. Sim, entendera a questão do trauma. Mas pensava que o amor por ele fosse capaz de superar isso. Por amor, estava disposto a compreender o que fosse, queria apenas rever Flora, abraçá-la, beijá-la até se convencer de que ela existia, não era uma mulher imaginada por ele.
Faltavam semanas para o próximo dia onze. Até lá, continuou com seu programa de sobrevivência. Acordava e dormia na mesma hora. Se alimentava de forma saudável e evitava beber. Ia quatro a cinco vezes por semana na academia, correndo pesado. Evitava as rotinas que fazia com Flora, como os filmes no final da noite. E guardou todas as fotos dela em uma pasta azul colocada no alto do armário. Não eram necessárias, a imagem dela era um cinema que não parava de passar.