— Assim que bateu os olhos em Flora, Saulo ficou alucinado, perdeu as estribeiras. Não era só a beleza, mas o pulsar selvagem de vida que transbordava dela. De início, ele tentou a via tradicional. Saulo esperava um pouco até que a moça se estabelecesse na comunidade, para depois alcançar seu objetivo: fazer sexo com ela. Normalmente, se apresentava como o mais experiente, para explicar e servir de guia no processo de adaptação. Fazia passeios pela área, com direito a longas conversas durante as quais ia conhecendo a história da nova moça e pensando qual a melhor forma de manipulá-la psicologicamente. Porque o Amanhecer era o refúgio de quem já havia sofrido muito, de quem tinha passado por algo muito pesado. No caso das mulheres muitas vezes incluía violência de tipo sexual, agressões na mão de parceiros, tratamento cruel por parte de familiares, humilhações de diversos tipos. Mas Saulo sabia que depois de se sentirem minimamente seguras elas ficariam gratas a quem parecesse responsável por aquela proteção. Dessa forma buscava ganhar a confiança das recém-chegadas para depois levá-las para a cama. Era um predador disfarçado de guia espiritual e guardião. Funcionava muito bem com quase todo mundo. Que eu me lembre, só eu e Flora escapamos.
— O que aconteceu com Flora?
— Ela não o aceitou de jeito algum. Como sempre Saulo chegou de mansinho, com o papo do Amanhecer como uma ilha de paz em meio a um mundo de violento e cruel. Não deu certo, ela recusou as caminhadas e as conversas. Existe amor, mas também existe ódio à primeira vista. Flora tem uma intuição muito forte, desde o início tinha nojo dele. Quando eu contei a ela a minha história, de como ele me assediara, ela só confirmou o que já sabia. Traumatizada como estava, rechaçou abertamente as investidas, sem ligar para as repercussões, todos começaram a perceber.
— E o Saulo?
— Primeiro ficou furioso, na visão dele todas as mulheres do Amanhecer lhe pertenciam. Depois se animou, passou a ser uma obsessão, acho que ele nunca deve ter desejado tanto uma de nós quanto desejou Flora. Passou a ser um desafio, uma presa cobiçada. Foi aí que se deu a tragédia.