PEDRO E FLORA: UMA HISTÓRIA DE AMOR?
Capítulo 2: SETE
Se viu segurando o embrulho com mãos trêmulas, espelho da alma. Contemplou o objeto como um achado arqueológico. Era um retângulo de metal fino, com fundo branco. Tinha buracos nas bordas e botões. Um celular. Aos poucos seu cérebro voltou e lembrou: zap. O aparelho era a esperança de falar com Flora e esclarecer a loucura. Só que ele nunca mexera em um e agora não teria cabeça. Conseguiu finalmente sentir alguma coisa além de espanto e tristeza: fome. Seu apetite era um relógio implacável. Flora tinha aprendido que ele nunca ficava mal humorado, era falta de comida. Quando viajavam ela levava uma mochila com sanduíches, frutas, castanhas de caju e chocolate. Na geladeira havia sobras do jantar. Fora a última refeição dos dois: salmão e salada. Ela quase nunca cozinhava. Mas na noite anterior tinha insistido. Comer o salmão seria devorar a sua carne. Nas prateleiras, lembranças. O doce de leite que ela espalhava em generosos pedaços de queijo minas. O suco de uva orgânico que Flora bebia. A bala preferida desde a infância e que ele comprava com regularidade.
Dor. Dor. Dor. Como fazer aquilo parar? Pequenas crueldades se espalhavam por toda a casa. A janela de onde a via dobrar a esquina indo para o trabalho, não sem antes voltar o olhar uma última vez. No chão, via os pezinhos de leite passeando. A cama era uma tela para os filmes da memória. Ao ouvir o elevador parando no andar, ficava esperando a porta se abrir: “Cheguei, amorzinho”. Tinha vontade de gritar Flora! até que um deus ou demônio o escutasse. Tentou se acalmar. Usou as técnicas de respiração que ela lhe ensinara. Uma de muitas ironias.
Afinal, qual era o terrível segredo que ela não fora capaz de contar? Lembrou-se do celular. Como é que se liga esse troço. Começou a apertar todos os botões. Nada. Inspirou fundo. Agora um botão de cada vez, demorando um pouco. A tela opaca começou a brilhar. O nome do fabricante. Depois uma espécie de quadrado verde no interior do qual havia um daqueles balõezinhos de quadrinhos e um telefone. Clicou em cima. Em preto apareceu um número: 7. Sete? Sete? repetiu para si mesmo.